segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Perfis de jogadores de tênis - Félix Mantilla

O homem por detrás das raquetes


Félix Mantilla, ex-top 10 do mundo e especialista no saibro, vive a experiência de ser treinador da seleção australiana de tênis



Enquanto o público do primeiro dia do quali do BVA Open vibrava com a partida entre o alagoano Thiago Fernandes e o australiano James Duckworth, um espectador, de óculos escuros e camiseta amarela permanecia calmo, apenas vigiando das arquibancadas o que se passava no saibro. O espanhol Félix Mantilla, 37, que já chegou a ocupar o 10º lugar do ranking da ATP, atualmente divide seu tempo entre a Espanha, onde possui a Fundação Félix Mantilla para o combate ao câncer de pele, e a Austrália, onde desde 2008, ele treina a seleção de tênis do país.
Com o fim do contrato em dezembro, Félix e a Federação Australiana de Tênis já negociam sua permanência e ele garante que essa nova função é tão boa quanto estar nas quadras. “Basicamente, o tênis é a minha vida, e me encanta fazer parte da evolução desses tenistas jovens da Austrália”.
Para Mantilla, que se retirou das quadras em 2007, o caminho de transformação de jogador para técnico ou dirigente não é tão natural quanto parece. “Jogar é uma coisa, treinar e administrar é muito diferente. Não acredito em técnicos sem paciência e que não gostem de ensinar. Segundo ele, que teve um único treinador dos 16 aos 27 anos, a idade crítica para a formação de um tenista se dá dos 15 aos 20 anos.” Esse é o período de moldagem do atleta, do aprendizado do autocontrole e da apuração da técnica”.
E o espanhol, que nos tempos de jogador era considerado calmo e frio em quadra, faz questão de ressaltar que a calma é um das melhores conselheiras dos atletas. A tática tem funcionado com o pupilo James, que segundo Mantilla, não sabia controlar os hormônios de um menino de 19 anos e queria vencer a qualquer custo. “O James, depois de um tempo comigo, melhorou muito a questão da disciplina em quadra. Ele é um jogador bastante competitivo, com saque forte e agora, sabe melhor como controlar o jogo e usar a ansiedade do adversário se virar contra ele”.
O técnico Félix Mantilla é muito exigente com seus comandados e ressalta que exige que o jogador seja muito respeitoso, tanto com o técnico quanto seus adversários, para que assim, ele se torne um atleta profissional e vencedor.


Tempos de glórias e quedas

Félix Mantilla nasceu em Barcelona, em 23 de setembro de 1974. Joga tênis desde os 10 e na adolescência, já despontava como uma das promessas de seu país, que tem fama de revelar tenistas especialistas no saibro, como Rafael Nadal. Ao longo de sua vitoriosa carreira de 15 anos, ganhou 10 Masters, incluindo o de Palermo e Barcelona.
 Mas, com absoluta certeza, o momento mais brilhante de sua trajetória foi, segundo ele, a vitória sobre Roger Federer, na final do Masters 1000 de Roma, em 2003. “Bater o Federer é um título concedido a poucos e eu me orgulho de fazer parte dessa galeria”.
Dos momentos espinhos e frustrantes da carreira, Felix não guarda muitas lembranças. “Tive um câncer de pele que me tirou um tempo das quadras e não me sinto frustrado por nunca ter ganhado um Grande Slam. O momento mais triste da minha carreira foi a aposentadoria, aquele momento que você sai da quadra a última vez como atleta, olha para trás e tem a consciência que, mesmo treinando alguém ou praticando, nunca mais será a mesma coisa”






Perfis de jogadores de tênis - Jaroslav Pospsil


O calor é uma constante na vida dos rio-pretenses, mas na do tenista tcheco Jaroslav Pospsil, atual nº 207 do ranking da ATP, é um grande obstáculo durante sua participação no BVA Open, apesar de ele já ter disputado torneios na América do Sul. “ É a minha primeira vez no Brasil. Cheguei quinta à noite e na sexta fiz só um treino, pois fiquei mal com tanto calor” comentou o tenista da República Tcheca,que bem humorado, revelou que precisaria comprar urgentemente um protetor solar para não parecer um tomate no fim do torneio.
Jaroslav está acostumado a treinar em quadras fechadas por conta do frio intenso de seu país, e segundo ele, não existiria outro lugar no mundo em que ele pudesse praticar o tênis, que o acompanha desde os 6 anos de idade. “Apesar de a República Tcheca não ser uma das potências do tênis, não me vejo treinando em outro lugar do que minha terra natal”.  
Pospsil, que alcançou a melhor colocação de sua carreira, ao chegar ao 103º lugar, conta que esse resultado veio graças à campanha no ano passado, quando ele chegou às finais de alguns Challengers. “Esse ano não tem sido bom para mim, apesar da melhor colocação na ATP da minha história no tênis profissional, que começou aos 19 anos”.
Ao lado do argentino Diego Junqueira e do brasileiro Ricardo Mello, o theco é um dos tenistas com mais experiência do Challenger, com 30 anos. Apesar de muitos considerarem essa idade alta para um atleta, ele não se intimida e garante que está em forma e com muita disposição para continuar jogando por muito tempo. “Mesmo vindo de uma temporada não muito boa, acredito que a experiência pode ser minha aliada para que eu chegue longe no torneio”.
Sobre a qualidade dos adversários e favoritos ao título, Pospsil é categórico. “Eu conheço a maioria dos caras que vão jogar aqui e nos encontramos sempre em torneios ao redor do mundo. É como se fosse uma grande família de tenistas, e o nível é muito equilibrado. Tirando os top 10 do mundo, entre os 200 melhores é tudo muito nivelado e não dá para apontar favoritos”.



Perfis de jogadores de tênis - Pavol Cervenak

                                          
O tenista eslovaco Pavol Cervenak, número 222 do ranking da ATP, é um amante do tênis desde os 6 anos de idade, quando ainda morava na capital da Eslováquia, Bratislava. Por incentivo do pai, que administrava uma loja no Centro Nacional de Tênis do país, Pavol começou a praticar o esporte e não parou mais. Hoje, o tenista vive em Colônia, Alemanha, para dar mais saltos mais altos à carreira.
Isso é o que garante o seu técnico, Carsten Schauff, que o acompanha no BVA Challenger de Rio Preto. “O Pavol melhorou muito a sua técnica e habilidade de jogar com as duas mãos na Academia em que treina na Alemanha. Além do mais, ele conta com um profissional para acompanhá-lo nos torneios, o que é muito importante. O técnico acaba fazendo de tudo um pouco: dá dicas, suporte, ajuda na organização e nos treinos do atleta. É uma pena que muitos tenistas não possam contar com um”.
E o tenista assina em baixo as palavras do técnico. “Existem bons lugares e centros para a prática do tênis na Eslováquia, mas a estrutura que eu disponho na Alemanha é fantástica e me ajuda a ser um profissional mais qualificado”. Treinando na Academia de Tênis de Colônia, ele chegou à final do Challenger da Eslováquia e nas quartas de final do Torneio da ATP em Stuttgart.
Quanto ao Challenger e as altas temperaturas em Rio Preto, o eslovaco se diz tranquilo e espera fazer um bom torneio, e quem sabe, não só participar. “Estou acostumado a jogar em lugares mais quentes do que na Europa. Esse ano joguei em Buenos Aires e Montevidéu e é bom estar na América do Sul nessa época, porque agora começou a esfriar muito na Alemanha. Espero fazer um excelente Challenger e ficar entre os primeiros”.
Para Pavol, a vida de tenista, pulando de lugar em lugar a cada semana, requer muita paixão, caso contrário, não se vai longe no esporte. “Jogar tênis é como qualquer outro emprego. A diferença é que às vezes você não gosta do que faz, mas acaba aguentando. No tênis, se não existe paixão, você não consegue se doar ao máximo e viver intensamente esse esporte maravilhoso”.




domingo, 9 de outubro de 2011

O segredo dos seus olhos

     Um dia dentro da vida agitada e cheia de projetos de Alcides da Silva Filho, cego desde 1999


 

“Se eu fosse fazer isso na calçada, não daria, é muito trabalho”, ri Alcides, 44, enquanto caminha, às 5 da manhã, no meio das ruas desertas do bairro Santa Cruz, em Rio Preto. Por ser bastante agitado e gostar de movimento, escolheu a madrugada para suas andanças não só por que gosta de acordar cedo, mas por ser cego, vítima de diabetes, desde 1999. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) estima que existam de 1 a 1,2 milhões de brasileiros cegos e outros 2,5 milhões com perda gradativa da visão. E esse é o único em que Alcides pode se exercitar, junto com sua fiel escudeira, a bengala, sem que precise ficar atento aos montes de carros que passam pela região, todos os dias.
O músico e contabilista conhece muito bem as esquinas, os obstáculos e os lugares do trajeto que seus olhos, antes cor de mel, já não enxergam mais. Porém, seu senso de direção continua intacto, como revela a esposa Alessandra, junto com ele há 19 anos, e mãe de Mateus, 17, Jonas, 14 e Isabela, 4, os três filhos do casal. “Ele é o meu GPS, sabe os nomes de todas as ruas. Antes mesmo de ficar cego, o Alcides já andava de madrugada com o cachorro, sempre foi meio guarda noturno”.
Na quase uma hora de caminhada noturna, ele passa na casa da mãe, Dona Jaci, 82, a duas ruas de sua casa, e pergunta se ela vai querer pão. Depois, a boa e velha padaria da esquina o aguarda, com seis pães para o café da manhã e a encomenda da mãe. Ao longo do trajeto, sempre bem humorado, Alcides conta que muito poucas vezes foi perturbado por quem passava. “Acho que a minha condição dá uma intimidada. Teve uma vez que só que um rapaz me parou e disse: “ei ceguinho, vem aqui, vamos foder!”, e começou a me agarrar. Dei umas bengaladas e tapas nele e ele disse que gostava de violência.  Liguei para a polícia e me perguntaram como era o rapaz. “Eu não sei. Eu sou cego, pô!”.
6 hrs.  A pleno vapor, Alcides acorda os dois filhos para ir à escola. Isabela, que gosta de assistir desenhos animados até tarde, dorme em um colchão na sala. Alessandra também dorme. Na cozinha, o pai coruja prepara vitamina de banana, Toddy e leite. Enquanto os meninos comem, o músico vai para o escritório, equipado com piano e teclado, além de CDS e um computador com sistema DOSVOZ, que ele usa desde 2001. “Até os meninos irem para a escola, eu me exercito tocando e cantando.” A música que resume sua vida é “Tocando em Frente”, de Almir Sater e Renato Teixeira. “Ando devagar, porque já tive pressa, levo esse sorriso, porque já chorei demais”...


“A palavra superação é um símbolo para mim. Eu tenho vivido muito na base dela”


O pior de ser cego, no começo, é admitir que você não enxerga mais. Quando comecei a perder a visão, em 1997, andava com uma bengala comum e se alguém me perguntava se eu tinha algum problema, dizia que estava com dor na perna”. Mas a deficiência visual não trouxe só desencantos a Alcides. “A deficiência me deu a oportunidade de ter mais contato com meus filhos. Como eu parei de trabalhar na firma e a ficar mais em casa, nosso vínculo se tornou muito forte. Sempre fiz questão de acompanhá-los à escola, de mãos dadas. São eles que preparam minha insulina. E essa ligação nós temos até hoje. Nesse mundo agitado, quantos pais podem fazer isso?” questiona, explicando que ele teve que reavaliar seus limites e ampliar seus horizontes.
7 hrs. Mateus e Jonas seguem para a aula e Alcides vai fazer suas atividades. “Geralmente, eu passo a manhã no telefone, fazendo uma politicagem, dando uma palpitada nos assuntos da firma, gerenciada por um amigo e meu irmão, que também esta perdendo a visão, mas não aceita. Depois do café, lá pelas 7hrs30, eu ouço alguns jornais, uso o computador e faço um som. Daí, eu vou tomar banho e me arrumar”. No guarda-roupa dele, geralmente é tudo organizado para que ele saiba onde estão as roupas. Quando se perde ou quer saber a cor de alguma delas, pede ajuda. O banho e a barba ficam por conta própria, já que gosta de se virar sozinho. E Alessandra confirma. “Eu sempre quis fazer a barba do Alcides, mas ele brinca, dizendo que eu posso estar de TPM e cortar a garganta dele”.
8hrs. O compromisso era levar Charlie, um Setter Irlandês, ao veterinário para um banho e para cuidar de um problema em uma das patas dianteiras. Além de Charlie, a família tem dois outros cachorros pequenos, que acompanham Alcides em suas andanças. Segundo ele, não existem cães-guia em Rio Preto.  O preço do adestramento e o tempo, de cerca de 2 anos, são alguns dos fatores que ele aponta para as dificuldades em se ter um cão-guia. No Brasil, existem apenas 3 centros  especializados (São Paulo, Rio e Brasília) e 70 cegos que usufruem do auxílio canino. Há uma fila de espera de cerca de 2.000 deficientes visuais a espera de um.


“É bom que a família não te proteja muito, senão você não cresce”


Mesmo com todas as atividades familiares, Alcides arruma tempo para presidir a Associação dos Deficientes Visuais de Rio Preto (Adevir), desde 2005, e é muito crítico a respeito das políticas de acessibilidade.  Para ele, o benefício do LOAS (R$ 545) concedido aos deficientes, se torna uma faca de gumes, já que o deficiente acaba se acomodando e muitas vezes, a própria família, temerosa de seu contato com o mundo externo, acaba incentivando que ele fique em casa.  “A maioria dos cegos precisa usar o ônibus para se locomover. Muitas vezes, ele prefere ficar em casa e receber o LOAS do que ter que trabalhar o dia inteiro, pegar condução, ouvir piadinhas. E a própria família teme que ele trabalhe, pois assim perderia esse benefício. Mas eu conheço muitos cegos que recebem o LOAS e complementam a renda no mercado informal”.
E na casa de Dona Jaci, às 10 da manhã, ele continua falando de políticas públicas e mercado de trabalho para cegos. Na visão de Alcides, falta interesse das entidades para se inserir o cego no mercado, mesmo havendo campo e gente interessada em empregá-los. “A APAE coloca um monte de gente no mercado de trabalho. Por que não se pode colocar os cegos também?”, explicando que existem instituições na cidade que recebem para manter os deficientes visuais lá dentro e os desencorajam a buscar trabalho.
Para a mãe do Neno, seu apelido de infância, o gênio pró-ativo do filho o ajudou muito a superar e a aceitar a deficiência. “O Neno teve uma aceitação maravilhosa, que eu não tive”, e se emociona, antes de descrever que o filho era um menino muito comunicativo e hiperativo. “De manhã, ele fazia o colegial. À tarde, piano e à noite, o curso de Contabilidade”. E Dona Jaci cita Alcides como um bom exemplo de deficiente. “Eu vejo muita gente que se entrega, se desanima. O Alcides sempre manteve a cabeça erguida, a alegria de viver. Mesmo ele sendo muito independente, eu me preocupo com ele andando sozinho nessas ruas cheias de carros e buracos. Mãe é mãe”.

Do tempo de jovem, Alcides, que enxergou até os 32 anos, se lembra que já teve cabelo comprido, hoje resumido a alguns tufos, rabo de cavalo, uma moto, das viagens pela América do Sul, e de uma de suas bandas, a Sex Shop, famosa na cidade nos anos 1990. Atualmente, ele costuma sair, às vezes, para dançar com a esposa em alguma boate.


“Já viu cego comprando em shopping? Shopping é completamente visual”

12hrs30. Os meninos voltam da escola e a cozinha se agita. Alessandra, chamada de Lê, parou de trabalhar como professora e assumiu os trabalhos de casa e motorista da família. É ela quem pilota o fogão e prepara salada, arroz, feijão e frango. Um dos filhos serve Alcides, que come sozinho e filosofa que a visão, por ser o principal sentido, acaba ofuscando os demais. “Quando se é cego, se perde essa percepção do consumo. Nós vivemos no mundo da imagem. Eu consumo muito sensorialmente, como uma boa comida, uma boa música. Mas quando vou comprar uma roupa ou um sapato, o vendedor, muito por falta de informação, explica o produto, em voz alta, para a minha mulher. Eu só não vejo a imagem, não sou surdo e ainda sei quando um sapato ou uma roupa é confortável”.
A parte da tarde é reservada para um cochilo e depois resolver assuntos de banco, já que ele ainda cuida de suas finanças e da mãe, auxiliado por programas de computador para cegos. Mas na segunda-feira, Alcides está sem saco para ir ao banco, e lembra que algumas vezes, quando para na porta do banco para conversar com alguns amigos, alguém já passou ao seu lado e colocou dinheiro na sua mão, dizendo “Deus te abençoe”. “Ainda existe muita falta de informação quanto ao deficiente. O deficiente se faz muito de vítima e isso me irrita muito”.
E se pergunto se ele, por ter uma vida privilegiada e confortável, pode ter essa consciência e engajamento social, Alcides nem pisca para responder. “Não é a grana o que mais importa, é a atitude. Existe agora a Lei da Acessibilidade do município e nós, os deficientes, temos que lutar para que ela seja cumprida. Mas eu me sinto muito sozinho nessa luta. Existe muita acomodação. Aqui no SENAC, do lado de casa, tem uma sala, toda equipada com computadores adaptados para cegos, livros em Braile, e quase ninguém a usa, se interessa”.

“O orelhão é o inimigo número 1 dos cegos”


“Pior do que cair na rua ou ser travado por uma árvore ou um galho dela, é trombar com um orelhão. É uma dor de lascar”, se diverte Alcides, ao dizer que as calçadas das ruas de Rio Preto são até decentes para um cego, mas o complicado é detectar os orelhões, principalmente a estrutura que cobre o telefone. Para isso, sugere que se coloque um piso emborrachado, o que, segundo ele, não é caro e evitaria muitos acidentes. As segundas e quartas, das 16hrs20 às 17hrs20, Mateus, Jonas e o pai frequentam um curso de inglês no centro da cidade, desde o começo do ano. Apesar de não existirem livros em inglês traduzidos para o Braile, Alcides não perdeu o interesse e, segundo sua professora Juliana, o fato de o aluno já ter enxergado e por o curso se basear muito em conversação, isso facilita na hora de montar imagens e situações com palavras.
Depois da aula, os três voltam a pé para casa e fazem um programa sagrado, de cumplicidade: parar em alguma lanchonete do caminho, tomar um suco e comer um lanche. Alcides, que gosta de falar bastante, explica que não tem hora para dormir, já que ainda não se acostumou com o relógio biológico de um cego, e as horas de sono são bem inconstantes. Às 18hrs, e de volta a casa, ele brinca um pouco com Isabela, que gosta de espalhar os brinquedos na varanda e a transforma num “campo minado” para o pai.
 Naquela noite, Alcides e Alessandra iriam ao shopping pagar umas contas. Geralmente, ele fica em casa, com sua música e sua amada família. Antes de nos despedirmos, às 19hrs, o homem que usa a palavra superação como símbolo, e sempre cheio de histórias, conta que um dia, nesse caminho de volta do inglês, enquanto lanchava com os filhos, uma senhora se aproximou e lhe entregou um bilhete, lido por Mateus: “ainda existem herois nesse mundo”. 

Mãos que leem- Sistemas de leitura para cegos 

Braile: O primeiro sistema de leitura para cegos foi desenvolvido por Louis Braile (1809-1852), cego por um acidente na oficina do pai, aos três anos de idade. Em 1827, Braile lançou o método, que é feito com as pontas dos dedos, com uma ou as duas mãos, da esquerda para a direita. A partir de seis pontos circulares, pode-se formar 63 combinações diferentes de letras, acentos e números. O Brasil foi um dos primeiros países a adotar o sistema, durante o Reinado de Dom Pedro II (1845-1889). Estima-se que 400 mil cegos no Brasil conseguem ler em Braile. Um leitor experiente chega a ler 200 palavras por minuto.
Jaws: Lançado em 1989 por Ted Henter, um ex-corredor de motos que perdeu a visão num acidente de automóvel em 1978, em São Petersburgo, Flórida, EUA. Seu objectivo principal é tornar os computadores pessoais acessíveis com o Microsoft Windows para deficientes visuais. A interface é realizada por meio do fornecimento de informações presentes na tela por meio da conversão de texto para voz ou  Braille e permite uma interacção maior do teclado com o computador.
DOSVOZ: Sistema para microcomputadores da linha PC (Windows 95 ou superior), criado em 1993 por Marcelo Pimentel, um universitário cego, e por professores da UFRJ. O DOSVOX se comunica com o usuário por meio de síntese de voz em Português e outros idiomas. Ao invés de simplesmente ler o que está escrito na tela, o DOSVOX estabelece um diálogo amigável, por meio de programas específicos e interfaces adaptativas. Grande parte das mensagens sonoras emitidas pelo DOSVOX é feita em voz humana gravada. Isso significa que ele é um sistema com baixo índice de estresse para os usuários, estimados em 800 deficientes visuais.



sexta-feira, 7 de outubro de 2011

A mão da resistência

No ano em que completa cinco anos, Lei Maria da Penha consegue muitos avanços nas políticas públicas para mulheres, mas ainda é cercada de dúvidas, preconceito e falta de informação
Foto: Divulgação União Brasil



“Nunca pensei que a minha luta pessoal fosse atingir a dimensão que ela atingiu. Eu lutei, por quase 20 anos, por justiça. Eu queria que quem me deixou paraplégica pagasse pelo crime. Graças a Deus, a dimensão foi muito maior do que a punição. Hoje, todas as mulheres são beneficiadas por essa lei, as com deficiência também. Eu acho que, realmente, é melhor deixar de se lamentar, é melhor você não se deixar recolher na tristeza e tentar mudar aquela situação que está incomodando. Quando a mulher sente que a política pública favorece que ela denuncie, ela tem medo, mas enfrenta. Agora, o difícil é não ter a política pública. E se não fizermos nada agora, nossas descendentes vão sofrer violência doméstica como nós e nossas antepassadas sofreram. A principal finalidade da lei não é prender homens, e sim, punir o homem agressor, que não sabe tratar sua mulher com dignidade”.
Ouvir essas palavras pessoalmente da boca de Maria da Penha Maia Fernandes, 66, não é tarefa fácil. Maria da Penha, apesar de muito simpática e comunicativa, é pouco dada à imprensa, muito por conta do “bombardeio midiático sensacionalista” em torno do seu nome. Antes de começarmos a entrevista, em uma sala da Associação dos Deficientes Motores do Ceará (ADM), às 14hrs, em Fortaleza, Maria, com um sorriso e apontando o dedo indicador, quer a certeza de que mandarei a entrevista antes da divulgação: “ta compromissada a história, responda aí?”, pergunta, com um leve sotaque cearense.  
O assunto principal da conversa, no entanto, pouco tinha a ver com um dos nomes mais fortes das políticas de defesa da mulher. Maria da Penha, cadeirante desde 1983, ano da tentativa de homicídio por seu ex-companheiro, Marco Antônio Heredia Viveros, também é muito engajada na defesa de políticas de acessibilidade para os deficientes físicos. A sensação de estar frente a frente com ela, no começo, é estranho. Parece mais que estou em frente a uma entidade, um ícone. Mas Penha, como é conhecida por muitos, é de carne e osso e carrega na pele e na alma um assunto quase inevitável de não se tocar, ainda mais por ela dar nome à Lei 11.340, que pune a violência doméstica contra a mulher e que esse ano completa 5 anos de criação. 
A biofarmacêutica, que gosta de Roberto Carlos, acha que é preciso saber viver. O fato de estar em uma cadeira de rodas, segundo ela, não a limita. Maria vive em uma casa adaptada, junto com a mãe, Dona Lery, 94, e só precisa de ajuda para se levantar e se deitar na cama. Desde 2009, está à frente do Instituto Maria da Penha e gostaria muito de ter um carro adaptado, para que pudesse colocar em prática o Instituto itinerante, e a cada 15 dias, visitar um bairro de Fortaleza.
Apesar dos muitos avanços que a lei trouxe para a defesa das mulheres, Maria da Penha, uma senhora muito elegante e doce, não se ilude e sabe que isso é apenas um começo. “A gente tem uma lei aqui no Ceará que diz que toda cidade com mais de 60 mil habitantes deveria ter uma Delegacia da Mulher e isso não acontece. Para você ter uma ideia, no estado todo, existe 184 municípios e 8 Delegacias da Mulher. Em Fortaleza, com 2,5 milhões de habitantes, apenas 1”.
Depois de 1 hora de conversa, acompanho Maria da Penha ao carro adaptado de Seu Mauro, pai de Maurinho, que tem uma paralisia espinhal, e que tornou o encontro com ela possível. Mais à vontade, acabo perguntando a ela como é o relacionamento com o ex-marido, principalmente após uma entrevista concedida por ela à revista Istó É, no final de 2010, e pelo livro “A Verdade não contada no caso Maria da Penha”, no qual ele a acusa de tê-lo “transformado em um monstro” e por “o Brasil achar que a Maria da Penha é uma coitadinha porque está numa cadeira de rodas”. Muito serena, Penha apenas responde que nem ela, nem as filhas têm mais contato com ele há muito tempo. “O que eu sei, assim como todo mundo, é que ele vive em Natal”.
Quanto aos homens mal informados, que fazem piada com a lei e alegam que deveria existir a lei João da Penha, para punir as mulheres que agridem os maridos, Maria, sempre categórica, conduz sua cadeira de rodas antes de voltar para casa: “Eles não têm ideia de quantas mulheres sofreram para que essa lei existisse. Eu vou continuando a minha luta em relação à violência doméstica familiar, do jeito que eu fazia antes de a lei existir, só que agora com mais intensidade e recursos”.

Um breve relato da história de Maria da Penha
1945- Nascimento de Maria da Penha, primogênita de uma família de 5 irmãs, em Fortaleza, no Ceará.
1973- Formada biofarmacêutica, se muda para São Paulo para fazer mestrado e conhece o estudante de Economia colombiano Marco Antonio Heredia. Se casam e mudam para Fortaleza, onde, após conseguir sua naturalização, Heredia começa a agir de maneira agressiva com a mulher e as filhas. Maria teme ser morta, mas pede o divórcio, só que o marido não aceita.
1983- Em 29 de maio, Maria da Penha recebe um tiro na coluna do ex-marido enquanto dormia. Além de Marco Antonio, moravam na casa as três filhas do casal e duas empregadas. Após quatro meses de internação, Maria volta, paraplégica, para casa. Ela acusa o marido de mantê-la em cárcere privado e tentar eletrocutá-la durante um banho.
1984- Primeiro depoimento de Maria da Penha. Marco é detido, não confessa o crime e é liberado, mas o Ministério Público o acusa formalmente de tentativa de homicídio. Buscando anonimato e fugir da hostilidade em Fortaleza, Heredia se muda para Natal, no Rio Grande do Norte.
1991- O ex-marido é condenado a 15 anos de prisão, mas o julgamento é anulado por falhas na elaboração das perguntas feitas aos jurados.
1994- Lançamento do livro “Sobrevivi...Posso Contar”, de Maria da Penha.
1996- Segunda condenação de Marco Antonio (10 anos e meio). Ele ganha direito a responder o processo em liberdade e a pena cai para 8 anos e meio.
1998/2001- Maria da Penha e órgãos que defendem a mulher fazem uma denúncia à Organização dos Estados Americanos. A OEA acusa o Brasil de conivência com a violência doméstica e alerta o país por não ter políticas públicas contra a violência da mulher.
2002- Dezenove anos e cinco meses depois do crime, o processo, quase expirado, é reaberto e Marco Antonio é condenado a 16 meses em regime fechado. A partir de março de 2004, cumpre o regime semi-aberto até fevereiro de 2007, quando consegue a liberdade condicional.
2006- Em 6 de agosto, o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva sanciona a Lei 11.340, batizada de Maria da Penha.
2010- Marco Antonio lança “A Verdade não Contada no Caso Maria da Penha” e “Extermínio de Homens”, alegando ser inocente e vítima de um erro do Judiciário.
2011- Aniversário de 5 anos da lei. Maria da Penha continua vivendo em Fortaleza, e Marco Antonio, em liberdade condicional, continua vivendo em uma quitinete na periferia de Natal. Sua pena acaba em fevereiro de 2012.

O caminho do agressor
A violência doméstica familiar em Rio Preto, vista sob a ótica de profissionais que trabalham na área ena visão do agressor e da agredida



“A mulher saiu da costela do homem. Não dos pés, para ser pisada. Nem da cabeça, para ser inferior. Saiu do lado para ser igual. Debaixo do braço, para ser protagonista. E ao lado do coração, para ser amada”. Na recepção da única Delegacia da Mulher em São José do Rio Preto, aberta em 1986, um quadro bordado em azul e vermelho, com a frase acima, recebe as mulheres que vão prestar queixa contra seus companheiros ou companheiras, já que a lei também é aplicada a relações homoafetivas.
Subindo as escadas, se encontra a sala da delegada titular Dálice Ceron, desde 1997 no cargo, e o primeiro passo para quem resolve não se calar diante da violência doméstica. Segundo Dálice, a maioria dos casos parte da violência do marido, mas podem partir dos filhos, sogra e outros parentes, desde que a violência (física, psicológica, verbal, racial) seja em âmbito doméstico. “Nós só não cuidamos de crimes patrimoniais” esclarece, enquanto faz um balanço dos 5 anos da lei: “A lei Maria da Penha foi uma resposta que as mulheres desejavam. Só que a maior deficiência dela reside na própria mulher, que na maioria das vezes, está presa ao companheiro pela dependência financeira e os filhos”
Para ela, a violência é democrática e não distingue classe, credo ou cor, apesar de os maiores registros ser feitos nas classes média e baixa. “Nas classes altas, a mulher muitas vezes a infidelidade e a violência do marido para manter as aparências. Nas classes baixas, além disso, a mulher tem que suportar a falta de comida, de estrutura e o álcool. É muito difícil denunciar o agressor. Ele é o príncipe encantado que ela sonhou. Só que mulher pobre é mais decidida, enquanto a rica teme perder os privilégios e a sociedade”.
Durante a entrevista, a assistente social Tânia, entra na sala para tirar dúvidas sobre um caso. “Tem uma mulher aí dizendo que o filho ta metido com pedra e ta roubando tudo da casa, até os fios. Ela quer usar a lei Maria da Penha porque tem medo que ele leve gente perigosa pra dentro de casa”. A delegada apenas diz que aquela situação não cabe boletim de ocorrência e pedir medidas sócio-protetivas, como o afastamento do acusado da residência. “Acho que essa senhora não quer ver o filho morando na rua. Ela tem medo é de quem ele pode trazer para dentro de casa”, pondera a delegada. No fim, a maneira encontrada para a denúncia é alegar o “terror” que a mãe sente diante da dependência química do filho.
Tânia Garcia, muito simpática, diz que quando a mulher vai à delegacia, ela está decidida a denunciar seu agressor. O espaço ali, segundo ela, é importante para se buscar informações e se fortalecer junto a um serviço. “Aqui ela vai ser ouvida e ter uma voz. A mulher, hoje, tem mais autonomia, está inserida no mercado de trabalho e diminuiu esse estereótipo da mulher coitadinha.
 Dálice concorda, e acrescenta que os jovens têm um papel muito importante na diminuição das desigualdades. “Esse é um processo muito longo, mas os jovens têm aprendido a dividir as responsabilidades e tarefas com suas companheiras. Eles podem mudar um quadro social muito arraigado, o do marido provedor, que sustenta a casa, e o da mulher cuidadora, que zela pela casa e pelos filhos”.
“Rio Preto sempre foi pioneira nas políticas da mulher” afirma Regina Chueire
“Não é que aumentaram os números da violência doméstica. O número de denúncias é que cresceu”, explica a ex-secretária da mulher Regina Chueire. Desde a criação do serviço de denúncia 180, em 2006, mais de 2 milhões de denúncias foram registrados. Segundo Chueire, as políticas públicas da mulher foram um dos primeiros pontos abordados durante o governo Lula (2002-2010). “O Lula vivenciou, dentro de casa, a violência contra a mulher, no papel de sua mãe, Dona Lindu”.
Para a secretária, a mulher não quer ver seu marido preso, e sim, tratado. Por isso, é importante olhar também o lado do agressor, entender que ele também é vítima de violência, das mais diferentes maneiras, e precisa de auxílio. “A chave para se equilibrar o feminismo, já que a mulher atual demonstra seus gostos, tem grana e tem a vida sexual ativa e seus desejos, com o machismo, arraigado na sociedade, é o respeito, impor limites para que exista harmonia”.
Segundo Chueire, a violência doméstica independe de gênero. “Quando o transexual ou um homossexual, é agredido, e ele se sente um mulher, pode-se recorrer à lei Maria da Penha”. Mas alerta: “o que não podemos fazer é banalizar a lei. Não é porque uma mulher é palmeirense, e a outra, corintiana, e as duas se agridem, que a lei tem validade”. Apesar de o Superior Tribunal de Justiça ter decidido que o Boletim de Ocorrência é suficiente para se abrir um processo de violência doméstica, Regina alega que o processo é bem mais complexo. “Muitas acham que é só ir à Delegacia da Mulher e fazer o B.O. Os meandros da lei são muito mais complexos”.
Na Secretaria da Mulher, existem processos em andamento para ampliar a independência da mulher, como revela a secretária, no cargo desde 2009. “ Aqui, nos temos o projeto “Apoio, você não está sozinha!”, que presta esclarecimentos a respeito da lei Maria da Penha e de como ela pode ser acionada, e o “Mulheres da Paz”, voltado à prevenção de futuros casos de violência contra a mulher. A Secretaria está tentando também um programa de Centros da Mulher em grandes loteamentos populares, com lavanderia comunitária, serviços de passar roupas e cozinha industrial, no intuito de aumentar a auto-estima e para que a mulher carente possa ter mais convívio com a família, já que muitas vezes, trabalha fora e faz o trabalho doméstico”.
Regina também destaca que a Secretaria dispõe de oficinas e palestras voltadas ao tema da violência doméstica, que podem ser solicitados por Unidades Básicas de Saúde, escolas e empresas, de maneira gratuita.
“Não adianta só acolher e tratar a vítima. Tem que cuidar e orientar o agressor também” alerta Aristides dos Santos 

“No começo, a aceitação do agressor por seus atos é difícil. Geralmente, a mulher é a culpada por eles estarem aqui”, explica, com semblante e voz calma, o coordenador do Centro de Referência e Assistência à Família (CRAF), Aristides dos Santos, que coordena um dos dois centros existentes no país. O outro CRAF funciona em Fortaleza. O Centro de Referência rio-pretense está em funcionamento desde outubro de 2010, graças a uma parceria com a Secretaria da Mulher, a Caritas e a Paróquia Menino Jesus de Praga, que enfeita uma das paredes da recepção.
Quando o processo por violência doméstica é aberto, o juiz avalia a gravidade de cada caso, e para os mais leves, sugere ao réu a suspensão do processo por 2 anos, para que ele passe por um tratamento. Se aceitar, o agressor, que no CRAF é tratado como “assistido”, inicia um tratamento em grupo, que dura pelo menos 8 meses, em sessões semanais de 2 horas. Atualmente, 69 homens e 1 mulher, que tem tratamento individual, são assistidos no centro. E o acompanhamento tem que ser seguido à risca, como destaca o coordenador. “Se o agressor não comparece à sessão e não justifica a ausência, o juiz pode revogar a suspensão”.
Dentro do CRAF, 2 psicólogos e 2 assistentes sociais prestam assistência aos agressores, que vão desde muito jovens a idosos. Segundo a assistente social Cléa da Cruz, e os psicólogos Anne Cardoso e Weslley Rodrigues, o objetivo do trabalho é o grupo. Durante as 24 sessões do tratamento, temas como o relacionamento e a lei Maria da Penha são abordados. No dia da minha visita ao centro, o tema era “a violência que eu pratico e a violência que praticam contra mim”, na qual os “assistidos” escrevem os diferentes tipos de violência que praticaram e foram praticadas contra eles, e penduram os papéis no “varal da violência”.
Para Cléa, geralmente o 1º mês é o da revolta por estar nesta situação, o 2º é mais tranquilo e, a partir do 3º mês, o “assistido” começa a entender o tratamento e a se apegar aos profissionais. “Muitos não querem mais sair daqui”, garante Cléa, que revela que muitos homens, ao iniciarem o tratamento, acham que vão tomar remédios, assistir uma palestra, pegar um papel, assinar e ir embora.
E Aristides faz um balanço muito positivo do primeiro ano de atividades. “É muito gratificante ver que mudanças estão acontecendo. Muitos “assistidos” que passaram por aqui mantêm contato e se dizem transformados pela situação”. Segundo ele, o centro trabalha os futuros relacionamentos dos que estão em tratamento. “A gente fala sobre família, perdão, preconceito e dos vícios. 80% dos “assistidos” aqui estão separados. A gente os prepara para um novo relacionamento, para que eles se desapeguem do sentimento de posse da mulher, do ciúme de ela ter um novo parceiro. Alguns deles, após o tratamento, acabam se reintegrando às suas famílias”.







Baulistão


É tempo de renascer. De soltar à fênix interior e transformar o pó em vida mais uma vez. E para a Portuguesa de Desportos, a Lusa dos bigodões lusitanos, o renascimento atende pelo nome de acesso à Série A do futebol nacional. Rebaixada pela 1º vez em 2002, por algum tapete ter salvado o Flamengo de escorregar para a Série B, a Lusa voltou à elite em 2008, mas a alegria durou um ano. Desde 2009, o time do Canindé faz excursões ao lado B do futebol nacional.
Mas esse ano, o fado, geralmente triste, está repleto de alegria. Os portugas de padaria, com o lápis atrás da orelha, não se contém e já gritam Lusa campeã e Série A. E isso não é piada de português. A Lusa tem feito uma campanha quase irretocável no torneio e faltando 10 jogos para o fim do campeonato, o time abriu 12 pontos de vantagem para o Boa Esporte-MG, o 5º colocado na tabela. A Purtuguesa é também a equipe que menos perdeu (3 vezes), mais fez gols (59) e tem a segunda melhor defesa (27 gols), atrás apenas do Sport (24 gols).
E a festa da Maria, do Joaquim e do Manuel, no fim do ano, deve ganhar a companhia de mais dois companheiros paulistas: a Ponte Preta e o Americana, ex-Guaratinguetá. Se os dois times alcançarem o acesso, a edição 2012 do Brasileirão contará com 8 times paulistas, quase metade das 20 equipes que disputam o campeonato. É quase um Paulistão fora de época.  As direções do Corinthians, Palmeiras, São Paulo e Santos devem estar radiantes pelo fato de terem que gastar menos com passagens de avião ano que vem.
Além dos 3 candidatos quase certos para subir, o Náutico, o Boa Esporte (ex-Itumbiara), o Sport, Bragantino e Criciúma podem ganhar um cupom dourado e se juntar na festa do acesso, já que a Série B, apesar de seus encantos, é melhor ser assunto do time rival.
Lado A
E na batalha da Série A, a peleja da 28º rodada começou na quarta-feira, com o empate eletrizante entre Cruzeiro e São Paulo, em 3 a 3. O Tricolor, que sem Lucas tem mais crise de identidade do que as escalações de Adilson Batista segue na briga pelo título, mas sem aquela vontade toda, já que tem desperdiçado muitos pontos considerados “fáceis”.
 Já a Raposa uai! apesar de toda a valentia demonstrada nesse jogo, segue um degrau acima da zona do rebaixamento e para o mais fervoroso dos pessimistas, esse pode ser o ano em que os 3 times mineiros podem cair, já que tanto Galo quanto o Coelho parecem com o passaporte carimbado para a viagem do adeus.
Continuando a briga da bola, o Botafogo recebe o Bahia com a missão de mostrar que não é cavalo paraguaio e não vai morrer na praia de novo. Coritiba e Grêmio fazem o jogo mais equilibrado do dia, e os dois buscam confirmar a estabilidade na reta final. E em Minas Gerais, sô! O duelo da porta dos desesperados: Atlético-MG x América-MG. A coisa ta feia, a coisa ta preta.
Domingão, após pegar um jogo de sofá depois do almoço, tem derbi paulista: Santos X Palmeiras. O Santos, que perdeu na quarta para o Grêmio, viu que o negócio mesmo é se preparar para o Mundial e cumprir tabela no brasileiro. Já o Palmeiras, a caixinha de surpresas do mal, tem a seu favor o fato de se dar bem sobre o Peixe, independente de o jogo ser em São Paulo ou no Litoral. Mas como ensina a Velha Genoveva, conselho e caldo de galinha não faz mal a ninguém e se der empate, ninguém vai se espantar. E o time do Felipão tem se especializado em empates nesse Brasileirão: já são 13. Nem o lanterna empatou tanto.
No Rio, Flamengo e Fluminense fazem o clássico carioca da rodada e disputam queda de braço, já que ambos tem 42 pontos e com uma vitória, um deles pode encostar lá em cima e deixar o rival comendo poeira. O Corinthians recebe o Atlético-GO, que adora jogar fora de casa e tem se mostrado uma das equipes que mais joga pra frente e sem medo no campeonato.

Fechando a brincadeira, o Inter recebe o líder Vaixcão da Gama, num jogo que pode acontecer de tudo, já que deverá ser muito brigado. Avaí e Atlético-PR também deverá ser um jogo muito disputado, mas a “pancadaria” é para se livrar da corda do pescoço e do seu Barriga, que vai cobrar o aluguel e os 3 pontos, senão ele manda direto pra Segundona. E no pôr-do-sol lindo de Fortaleza, o Vozão Ceará quer servir uma buchada de bode podre para o Figueirense, e mostrar que lá quem manda são os macho véio.