quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Alma brasileira, coração cubano

Cubanos que vivem na região de Rio Preto e gente daqui que foi morar na ilha do Caribe mostram que os dois países têm muitos laços em comum

Brasil e Cuba têm muito em comum. E não são só as praias cartão-postal, povo alegre e gosto pela música que unem os dois países. A medicina cubana, um dos pilares da política socialista dos irmãos Castro, no poder desde 1959,  atrai muitos brasileiros que vão estudar ou buscam tratamentos por lá.  O casal Mauricio e Mercedes Brandão, de Tanabi, foi buscar nas mãos de médicos e fisioterapeutas cubanos a esperança para curar o filho, vítima de um acidente que o deixou paraplépligo, em 1991, ano da queda da União Soviética, a grande parceira de Cuba na época.

“O Mauricinho tinha 18 anos quando quebrou duas vértebras em um acidente na represa do nosso sítio e ficou 5 meses internado em um hospital de Brasília. Lá, ficamos sabendo de um rapaz da Bahia que tinha o mesmo problema, foi a Cuba e conseguiu recuperar o movimento das pernas”, revela o casal, que pouco conhecia sobre Cuba, mas resolveu encarar o desafio.

Mauricinho ficou quase um ano em tratamento na ilha e teve muitas melhoras. Ele não voltou a andar, mas ganhou um anjo da guarda que o acompanha até hoje: o fisioterapeuta Pedro Penate, 50.  Pedro, um dos fundadores do Centro Internacional de Referência Neurológica, conta que o diferencial do tratamento de lá é que cada paciente é assistido de forma individual por um “facilitador” termo usado por eles para os profissionais do centro.

“Tem gente do mundo inteiro que se trata com a gente e em questões médicas, estamos entre os melhores”, garante o fisioterapeuta, que conheceu uma mulher de Vitória enquanto trabalhava em Havana, se casou com ela e veio morar no Espírito Santo. Antes de exercer a profissão no Brasil, Pedro passou 1 ano e meio fazendo matérias extras e exames no Rio de Janeiro para ter seu diploma  validado.

Na capital capixaba, ajudou a fundar a primeira faculdade de fisioterapia do estado e reencontrou a cubana Marta, com quem foi casado e voltaram a ficar juntos. Mas a vida em Vitória tomou outro rumo com a notícia de que Mauricinho, hoje com 38 anos, sofreu um acidente vascular encefálico.

Pedro largou os empregos que tinha e veio ao interior de São Paulo cumprir o que, segundo ele, é sua última missão em terras brasileiras. “Quero que o Maurício tenha uma vida minimamente decente, assim como quando retornou de Cuba e conseguia fazer quase tudo por conta própria. Assim que eu terminar essa missão, quero voltar para Cuba. Estão acontecendo muitas mudanças lá, que são muito positivas, e, além disso, minha família toda está lá, exceto meu filho brasileiro, hoje com 16 anos”.

                                           Praça Chê Guevara, em Havana



Diplomados de Cuba

Todos os anos, muitos jovens brasileiros seguem para a Argentina, Bolívia e Cuba com o desejo de estudar Medicina, já que no país ele é o curso mais concorrido, um dos com  maior número de despesas e que exige maior tempo de preparo para o vestibular.

 Com dificuldades de pagar um curso de medicina no Brasil e sabendo das facilidades de ingressar em uma universidade cubana, o médico intensivista Cláudio Pessoa de Barros Filho, 31, saiu de Monte Aprazível em 2000 para realizar o sonho de ser médico e não se arrependeu da escolha. “O grande diferencial da medicina cubana porque ela se preocupa em formar profissionais voltados ao próximo. Lá, o clínico geral é o médico mais respeitado, pois ele é básico nas necessidades da população. No Brasil, muita gente só quer fazer Medicina por que dá dinheiro e quer ser cirurgião plástico ou dermatologista, por causa dos status”.

Cláudio estudou na Faculdade Santa Clara Villa, em Santa Clara, de 2000 a 2007 e relata que as classes têm no máximo 20 alunos e que as instituições cubanas ainda não sofrem muita influência das grandes indústrias, o que torna o ensino mais voltado às pesquisas dos problemas do povo. Para o médico, a oportunidade de estudar em Cuba foi uma experiência ímpar na vida e hoje ele se sente muito preparado e com um olhar mais humano para lidar com os pacientes.

O único problema da graduação no exterior foi conseguir validar o diploma na volta ao Brasil. Para ingressar na instituição cubana, Cláudio não prestou vestibular e teve o histórico escolar analisado. Depois de 6 anos de curso, ele prestou a Estatal, que consiste em 2 provas teóricas e 1 prática para medir os conhecimentos e validar o diploma.

Só que ao retornar à terra natal, Cláudio precisou de mais 2 anos e 8 meses para exercer a profissão. “Validar o diploma cubano é complicado e bem burocrático. Ele tem que ser revalidado em faculdades estaduais ou federais, e isso só acontece quando tem abertura de editais para validação. Depois,  inicia-se uma analise curricular e uma prova, geralmente dividida em duas fases. Na fase da entrevista é onde temos mais dificuldades, e a faculdade pode pedir a complementação de matérias ou horas faltantes referentes à grade no Brasil. Dá trabalho, mas garanto que além da economia, já que as faculdade de Medicina aqui são muito caras, sai com uma formação profissional diferenciada”.


                                                    Cláudio, em trabalho voluntário pela faculdade


Um amor rio-pretense

O também fisioterapeuta e com graduação em Esportes, Ariel Sotto Figueredo, 30, resolveu fazer as malas e tentar a vida no Brasil, onde está há 10 meses. O pai de Ariel, que é engenheiro mecânico, mora em São Carlos e dá aulas em São João Del Rei-MG, vive no Brasil há bastante tempo, tendo inclusive se casado de novo e dado a ele 3 meio-irmãos brasileiros.

Mas o coração do cubano não quis saber da vida em São Carlos. Em um site de relacionamentos, ele conheceu a arquiteta Juliana Franco de Angelis, 34, e não pensou duas vezes em vir para Rio Preto. “Lá em Cuba, a gente vive bem sem internet, já que ela ainda é bastante controlada pelo governo. Mas aqui, ela é o pão de cada dia e o lugar que eu conheci o motivo por estar em Rio Preto”.  Juliana, que não acredita muito em romances virtuais, se surpreendeu com a própria história. “O engraçado é que eu sempre dizia que o homem da minha vida seria estrangeiro”.

Os dois mal começaram a namorar e resolveram se casar. O cubano, que entrou com visto de turismo e
regularizou sua situação para viver aqui legalmente, têm se virado como servente de pedreiro, garçom e bar tender, enquanto aguarda a validação de seu diploma. Segundo ele, a vida em Rio Preto é boa e dá muitas oportunidades de trabalho. “Os jovens cubanos, assim como no mundo inteiro, querem usar roupas bacanas e viver bem. Em Cuba, você pode trabalhar a vida inteira e muitas vezes não consegue comprar um carro. Minha mãe, que é engenheira, não tem um”.

Ariel diz que nunca teve problemas de preconceito e se diverte quando as pessoas perguntam “você é cubano, mas não é preto”, muito por conta da imagem que se tem dos atletas de voleibol e atletismo. “Brasil e Cuba são muito parecidos na mistura racial. Lá tem de tudo: descendentes de negros, de europeus. Miami, que os brasileiros tanto gostam de fazer compras, é quase um pedaço de Cuba”.

Para Ariel, a imagem de um país inacessível não combina mais com Cuba. “Os EUA tinham fechado meu país (o bloqueio econômico à Cuba durou de 1962 a 2009) e Fidel nos fechou dentro da ilha. Mas muita coisa está mudando. Os cubanos já tem certa liberdade de entrar e sair do país, comprar dólares, eletro-eletrônicos e carros, além da flexibilidade nas relações políticas. Um amigo cubano retornou de lá por esses dias e voltou assustado com as mudanças. Não se derruba em um dia tudo o que o Fidel fez, mas existe um ditado que diz que não existe mal que dure 100 anos, nem corpo que dure isso também”.





                                            Modelos antigos de ônibus são comuns na ilha




Entraves burocráticos para se revalidar o diploma 






Para o advogado José Galhardo Viegas, o melhor caminho para tentar obter autorização do registro profissional perante o conselho da categoria é acionar a Justiça. O advogado José Galo, especializado nesse tipo de trabalho, com escritório Rio Preto, explica que é preciso entrar com ação declaratória na Justiça Federal, com pedido de tutela antecipada, para que, de imediato, o juiz autorize o profissional a atuar na área. “Isso é necessário porque os conselhos têm exigido a revalidação do diploma quando esses profissionais vão fazer a inscrição, porque existem tratados internacionais e princípios constitucionais que reconhecem esses diplomas como sendo válidos”.

Mas um projeto piloto do Ministério da Saúde e Educação com estudantes brasileiros em universidades latino-americanas revelou dados alarmantes. Dos 628 profissionais que se inscreveram para os exames de proficiência e habilitação em medicina, 626 foram reprovados e apenas 2 conseguiram autorização para clinicar.

O Conselho Federal de Medicina e a Associação Médica Brasileira, pressionados por um projeto do governo de validação automática do diploma estrangeiro, têm denunciado a má qualidade da maioria das faculdades de medicina da América Latina, alertando que os médicos por elas diplomados não teriam condições de exercer a medicina no país. Segundo as entidades, entre 2005 e 2009, só 25 estudantes brasileiros que estudaram em Cuba conseguiram reconhecer o diploma no Brasil e regularizar sua situação profissional.

Partidos como o PT, o PC do B e o MST alegam que o modelo cubano de ensino médico valorizaria a medicina preventiva, voltada mais para a prevenção de doenças entre a população de baixa renda do que para a medicina curativa, o que facilitaria o reconhecimento do diploma. As entidades médicas brasileiras, no entanto, afirmam que não faz sentido reduzir o rigor dos exames de proficiência e habilitação para que o diploma seja validado.














  

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Fim da linha


Corinthians x Palmeiras. Vasco x Flamengo. Internacional x Grêmio. São Paulo x Santos. Atlético-PR x Coritiba. Avaí x Figueirense. Cruzeiro x Atlético-MG. Botafogo x Fluminense. Bahia x Ceará. Só vai acontecer isso na última rodada maluca do Brasileirão, e tirando o combate Atlético-GO x América-MG, todos os outros 9 jogos estão interligados.
Amanhã, a partir das 17 hrs, coloque-se na pele de Felipão, Tite, Luxemburgo e Cristovão Borges e comece a sentir a adrenalina. Cada músculo do torcedor corintiano, palmeirense, flamenguista e vascaíno tenso e pronto para explodir na hora do gol. Os clássicos regionais acabaram indo para a última rodada para tentar diminuir o número de “entregadas” para prejudicar o rival, já que elas existem e até a Vovó Mafalda sabe disso.
No jogo das combinações, o Corinthians só não leva o título se perder do Palmeiras e o Vasco bater o Flamengo. No campo das rivalidades, já tem torcedor verde abusando do espírito de porco e torcedor gavião ironizando o fato de que só um jogo assim para o Palmeiras decidir algum título, mesmo que simbólico. A única coisa certa é que o Titemão não terá Ralf, Danilo e Emerson para o dérbi, enquanto o rival, exceto Marcos, não sofre nem com lesões nem com cartões.
Do outro lado do quarteto paulista, o São Paulo, que confirmou a permanência de vô Leão no ano que vem, ainda sonha com uma vaga na Libertadores, mesmo apresentando um futebol chocho e desanimado. Para 2012, já é certo no Tricolor que Dagoberto, Rivaldo e Marcos não continuam na barca. E deve ter mais faxina. Já o Santos, que só está preocupado com as belezas do Japão e do Mundial, manda a campo o time B, com a missão de honrar as cores peixeiras, enquanto Neymar e Cia se deliciam com uma porção de sushi.
 Mas a coisa está quente também em outras freguesias. No mini-carioca da rodada, o Vasco, que foi eliminado da Sulamericana, junta suas últimas forças para subir ao topo mais uma vez esse ano, já que é o atual campeão da Copa do Brasil. Mas o Urubu, que é bicho pirracento, nem pensa nessa possibilidade. Mas o comandante da urubuzada, pofessô Luxa, pode não ter Gengiva Gaúcho para a batalha final. Os vascaínos não contam com Éder Luis, Juninho Pernambucano e Allan. Mas receberão as energias do técnico Ricardo Gomes, que foi liberado pelos médicos para assistir ao clássico.
Em Minas, uai! o Galo, que lutou quase todo o campeonato para não cair, pode ganhar presente do Papai Noel: rebaixar o eterno rival Cruzeiro pela 1º vez. O mando é da Raposa, que não terá Fábio nem Montillo, os melhores do time. E o técnico Cuca, que começou o ano no Cruzeiro e depois assumiu o Atlético, pode terminar colocando a última pá de terra no enterro pra segundona.
No sul, pode acontecer situação parecida. O Furacão recebe o Coxa Branca e precisa vencer o arque rival para, em casos de derrota ou empate de Cruzeiro e Ceará, escapar da queda. Só que o Coritiba precisa da vitória para carimbar o passaporte à Libertadores. E se a torcida atleticana zoou o rival pela série B em 2010, pode agora receber o “presente de grego” de volta.
E as batalhas continuam acirradas, com o Ceará precisando ganhar do Bahia para sobreviver. O Inter, ainda com pequenas chances de Libertadores, vai pra cima do rival gaúcho, que demitiu Celso Roth essa semana e já anunciou Caio Júnior como novo treinador gremista. E num último respiro, o Figueira tenta ir à Libertadores e de quebra, ganhar do Avaí, rebaixado e lanterna há algum tempo, dentro da Ressacada, e fazer a festa dentro da casa do rival.
Se alguém tinha dúvidas de que um campeonato de pontos corridos não poderia ter tantas emoções, é melhor fazer uma jarra de suco de maracujá, ajeitar o marca-passo e economizar as unhas para amanhã. Vai acabar.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

A hora da verdade


Comece a rezar os 10 pais nossos e 20 ave-marias. Acenda velas, incensos, chame todos os deuses. Depois de toda essa liturgia, sente-se no sofá, que é fim de campeonato e quase todos os 10 jogos, todos com início às 17 hrs, serão eletrizantes e decisivos, seja para cima, seja para baixo. É bom o santo, orixá ou deus indígena do seu time ser forte, pois ele vai precisar.
Só para dar início aos trabalhos da 37º rodada, o Palmeiras, que andou fazendo um trabalho muito forte de descarrego, recebe o São Paulo no Pacaembu. O time do Felipão, que deu uma arribada nessa reta final, se livrou das chances de rebaixamento e pode ter o prazer de aniquilar as chances matemáticas de o time do vô Leão se classificar para a Libertadores.
Do outro do país, lá em Florianópolis, o Corinthians, que fez promessa até pra São Longuinho, pode ser campeão brasileiro com uma rodada de antecedência, se derrotar o Figueirense, que ainda sonha com Libertadores, e no clássico carioca da rodada, o Fluminense derrotar o Vasco. Se o Titemão perder ou empatar, e der vitória de Vasco ou Fluminense, a decisão se arrasta para o próximo domingo.
E no meio dessa briga toda, o Santos, que jogou muitas flores para Iemanjá no começo do ano, está colhendo os frutos de uma temporada espetacular. Enquanto os outros times vivem a realidade nacional e sul-americana, titio Muricy seus pimpolhos só pensam no Japão, nas queixas e na possível decisão do título mundial com o Barcelona. Ainda no aquecimento para o torneio, o time da vila duela com o Bahia, que precisa desesperadamente de pontos para não ver o trio elétrico enguiçar no meio da avenida e eles voltarem para a segundona.
E se vocês pensam que só esses jogos vão decidir alguma coisa no Brasileiro, ainda tem muito mais. No Engenhão, o Flamengo, que não pagou as consultas à mãe de santo e não está pensando em pagar o salário do Gengiva Gaúcho, recebe o Internacional. A queda de braço é para decidir quem vai à Libertadores e quem fica pelo caminho. O Grêmio, tchê!, que essa semana apresentou o Kléber, está preparando um churrascão estragado para servir ao Atlético-GO, mas os dois times, no meião da tabela, brigam só por Sul-americana
Ainda nos jogos mornos, o Coritiba, com chances remotas de classificação para a Libertadores, quer jogar as últimas fichas pra cima do já condenado Avaí, enquanto o Atlético-MG, com remotas chances de rebaixamento, joga contra o Botafogo, que anda despencando na tabela e mostra aquela cara de desânimo e frustração de times que começam bem uma temporada, mas a terminam de forma melancólica.
Fechando a rodada, o América-MG, também rebaixado, quer levar consigo, para as profundezas, o Atlético-PR, que ainda tem chances de escapar. Mas o Coelho de Minas, que é travesso, quer dar uma dentada bem no olho do furacão. Mas o jogo mais alta voltagem contra o rebaixamento é Ceará x Cruzeiro. O Vozão joga com os coqueiros de Fortaleza e o estádio cheio a favor contra a Raposa, que nem pensa em por no currículo uma Série B, mas com o time, e a administração caótica que apresenta, tem feito por onde descer as escadas do futebol nacional.




sexta-feira, 18 de novembro de 2011

100% garantido


Tudo está definido no Brasileiro, assim como a mãe Dinah vai acertar todas as previsões para o ano que vem. Mas não é preciso ser tarólogo ou místico para constatar certos fatos. Na quarta-feira, após 3 anos na elite, o Avaí foi rebaixado e Santa Catarina, com o Figueirense, passa a ter apenas 1 representante na Série A.

O Corinthians, que teve um triunfo de gente que nasce com aquilo virado para a lua, contra o Ceará, está garantido na Libertadores do ano que vem e grudou uma das mãos na taça, mas para grudar a outra, é preciso se dar bem nos próximos 3jogos. Amanhã, os amantes do Coringão têm encontro marcado no Pacaembu, onde o Titemão duela com o Galo, uai! que vai escapar mais um ano do rebaixamento e vem jogando encardido.

De resto, é tudo tão certo quanto a morte do Bin Laden. A cada edição do campeonato por pontos corridos, o nível entre as 20 equipes se torna cada vez mais igual. Não existe nenhum super time. O lanterna ganha do líder, o 3º colocado leva goleada do 18°, e por ai vai. Muita gente acredita que em breve, o futebol brasileiro será polarizado entre Corinthians e Flamengo, assim como o Real Madrid e o Barcelona, na Espanha.

Mas, além de nossos cartolas administrarem como nos tempos das cavernas, nenhuma agremiação brasileira tem envergadura ainda para jogar as outras em terceiro ou quarto plano. O melhor é ficar com uma das competições mais equilibradas e imprevisíveis do esporte.

E na abertura da 36° rodada, mãe Dinah, Walter Mercado e Roberto de Ogum já deram um brilho na bola de cristal e nas cartas, garantindo saber o resultado de todos os jogos. Eu, que não tenho o dom da profecia, prefiro ficar só nos comentários.

Hoje, antes da balada e da cerveja com os amigos, o Sum Paulo, do vô Leão, recebe o América-MG, que pegou gosto em aprontar nessa reta final. O Coelho, que já mordeu Corinthians, Fluminense e Botafogo, quer dar mais uma dentada de surpresa e continuar com o sonho de permanência na elite. Mas, em caso de vitória tricolor, o sonho dos mineiros vai pro buraco de vez.

O Vasco da Gama, que empatou com o Palmeiras no meio da semana, encara o Avaí, com a obrigação de vencer para não se distanciar do Corinthians. Líder e vice-líder estão separados por 2 pontos. No sabadão lá do Sul, tchê! O Grêmio recebe o Ceará, e pode confirmar os macho veio na segundona.

Amanhã, o Botafogo, que demitiu o técnico Caio Júnior, e vai de interino, recebe o Internacional. Os 2 ainda brigam por uma vaga na Libertadores, e como se diz no jargão dos boleiros, é jogo de 6 pontos,sem choro nem vela. O Cruzeiro arruma suas armas para batalhar com o Atlético-PR a última vaga salvadora para a Série A. A Raposa tem 38 pontos, e o Furacão, 37.

Lá em Goiânia, o Atlético de lá recebe o Flamengo, com vontade de fazer um estrago na vida de Luxemburgo, Gengiva Gaúcho e Cia. Nas bandas sulistas, o Figueirense, a sensação do campeonato, com um toque de bola refinado e sem chutão, trava queda de braço com o Fluminense. Faltando 9 pontos em disputa, o 3° e o 4° colocado resolvem medir forças justo num momento desses.

No fim do dia, depois da indigestão do almoço e da preguiça, o Coritiba recebe o time B do Santos, que não é menos perigoso do que o A. E o Parmera, que anda atrás do seu respeito perdido, joga contra o Bahia, em Salvador, por uma das últimas vagas da Copa Sulamericana, que foi o que acabou sobrando para os torcedores do verde e branco paulista.


sexta-feira, 11 de novembro de 2011


Só rindo pra ver
De amanhã até a próxima quinta-feira, 6 pontos, dos 15 que sobraram, estão em disputa na 34º e 35º rodadas do Campeonato Brasileiro. Alguns vão se dar bem e ganhá-los, só que do jeito que a carruagem avança, é mais fácil quase todo mundo deixe os pontos ir pelo ralo. E os times paulistas se incluem na galeria dos que tem gostado de desperdiçar. Assim, expressões como perder o título, ficar de fora da Libertadores e ser rebaixado estão na boca de corintianos, são-paulinos e palmeirenses.
De toda paulistada, só a Portuguesa, campeã da Série B, e o Santos, com o Mundial batendo na porta e com Neymar com contrato até 2014, têm motivos para sorrir e fazer dancinhas, seja um fado ou um funk com moicano. Mesmo líder, o Coringão não tem mostrado bom futebol, e não conta com o meia Alex nos 2 próximos jogos, contra o Atlético-PR, amanhã, e Ceará, na quarta. O temor de perder pontos para equipes que estão lá embaixo rondam São Jorge, Liédson e Tite, que anda com raiva do coelhinho da Páscoa e andam preocupados com furacões e vovôs cearenses.
O Sum Paulo, que anda mais perdido do que surdo no bingo, ainda mais sob o comando de Leão, primo capilar do Clodovil, que tem se esforçado muito para fazer despencar o Tricolor da tabela, junto com um monte de jogadores mimados e sem vontade. Ambos contam com o super apoio do presidente JuJu, que gosta de ser mandão e não encontra ninguém forte o suficiente para peitá-lo. Hoje, o time recebe o Avaí e na semana que vem, vai ao Paraná pegar o Atlético. O que pode ser fácil, pelo fato de os 2 estarem quase rebaixados, pode se tornar indigesto para os são-paulinos.
Já o Parmerinha, que nem o Tiririca está interessado em treinar, se acomodou no 13º lugar, mas que não se iluda com papo de que não será rebaixado, porque do jeito que a maré anda, é capaz de, nas últimas 5 rodadas, todo mundo lá em baixo pontuar, o Verdão permanecer na zica de não ganhar nem frango em bingo, e a vaca ir pro brejo. Amanhã, Felipão e suas feras jogam contra o Grêmio em Porto Alegre, e no meio da semana, recebem o Vasco no Pacaembu. Já tem palmeirense na internet fazendo campanha para que o time entregue o jogo para os cariocas e prejudique o arquirival.
No complemento da 34º rodada, já que existem outros times além dos paulistas, o Fluminense, que está vivinho da silva atrás do título, recebe o América-MG, enquanto o Figueirense, sensação do campeonato, quer dar um susto em Cuca e no povo do Atlético-MG.
Amanhã, o Ceará, com a buchada de bode estragada, se prepara para servir o prato nada amigo para o time reserva do Santos, já que Muricy quer poupar os titulares para o Mundial de Clubes, que começa em 8 de dezembro. O Coritiba recebe o Flamengo. O Cruzeiro, na zona da degola, mede forças com o Internacional tchê! que ainda pensa em Libertadores. O Atlético-GO duela com o Bahia em Goiânia e Vasco e Botafogo fazem o clássico da rodada, para ninguém botar defeito.


sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Corra que a polícia vem aí

Daqui a um mês, acabou a farra do futebol nacional. A não ser para os santistas, que ainda assistirão o Mundial de Clubes, os outros times já terão selado seus destinos. Série A, B, Libertadores, Sulamericana e por aí vai. Nas casas paulistas da bola, os quatro times de maior expressão, que já ganharam a companhia da Portuguesa na elite, podem ainda ser acompanhados da Ponte Preta, atual vice da Série B, e do Americana, que está em 4º.
Mas antes que a temporada acabe, o Brasileirão está em plena atividade e a corrida por alguma coisa tem sido tão maluca que é capaz de chamarem a polícia para dar uma acalmada, ou para por fogo de vez na coisa. No caso futebolístico, a polícia responde pelo nome de Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) que tem uma queda toda especial em aparecer em final de campeonato, acusar jogador de ter cuspido no chão e lhe aplicar um gancho de dois jogos.
Nessa semana, o volante Fabrício, do Cruzeiro, ironizou o julgamento de Ronaldinho Gengiva por conta de sua expulsão contra o Ceará. Segundo o STJD, o jogador do Flamengo pode pegar até 12 jogos de reclusão. Mas Fabrício, que também gosta de um barulho, respondeu, na entrevista coletiva, entre sorrisos e ironia, sobre a possibilidade da expulsão: “Ah, você acredita nisso. Flamengo, CBF. É capaz de eu pegar uns dois, três jogos por ta falando isso aqui. Ronaldinho ser suspenso? Difícil!”.
E Fabrício, que não é nenhuma flor que se cheire, acertou. O “delegado” do STJD, Paulo Schmitt, já pediu a fita com sua resposta cheia de gracinhas e quer analisar. Aliás, analisar é o verbo favorito do órgão, que em mais uma reta final de Brasileirão, pode ser mais protagonista do que as agremiações que lutam por um lugar ao sol, no purgatório ou no para escapar das labaredas do inferno.
33º rodada- A casa vai cair
Só como aperitivo para a abertura da rodada, hoje, o Botafogo, 3º na parte de cima, recebe o arisco time do Figueirense, no Engenhão. O time de Santa Catarina já deu mais do que provas de que é uma das equipes mais organizadas do torneio e se conseguir a façanha de vencer o Fogão, que ainda não perdeu em casa, não é loucura apostar algumas fichas no Figueira, com 50 pontos, possa beliscar vaga na Libertadores.
Na sequencia, o Galo recebe o Grêmio e pode confirmar a escapada da Série B. Em Salvador bichinho, o Bahia quer também acabar com as chances de rebaixamento e servir um vatapá azedo ao pessoal do São Paulo, que anda em crise existencial e tenta se achar no rugido do Leão, que apesar de velho, quer mostrar que ainda dá as cartas na floresta.
Amanhã, o vice-líder Vasco vai até a baixada dos paulistas e encara o Santos, que terá os retornos de Léo e Ganso. Apesar da derrota de 2 a 0 para o Universitário Peru na partida de ida da Sulamericana, o Português carioca quer mostrar a força dos bigodes e ganhar do Peixe e carimbar vaga para as semis do torneio sulamericano. O Flamengo, que ainda tenta alguma coisa, recebe o Cruzeiro, e o Avaí, com os dois pés na cova, duela com o Ceará no clássico dos desesperados.
Lá em Uberlândia, o América-MG, que está rebaixado, disponibilizou 40 mil ingressos à torcida do Corinthians, para fazer ao menos um pé de meia bom para voltar à Série B. Mas é de bom tom o Titemão não se iludir com times em zona do rebaixamento. São os mais encardidos de se jogar em fim de campeonato e eles podem aprontar, e muito.
 E fechando a rodada, o preguiçoso e conformado Palmeiras, que não faz gol, não sabe se casa ou compra uma bicicleta e está vendo sua defesa, antes orgulho, ir pro brejo, recebe o Coritiba na Arena Barueri. Lembrando que o Verdão continua sem teto, não joga mais no Canindé por conta de problemas com torcedores da Portuguesa e está à procura de quem lhe dê abrigo.
No fechar das cortinas, Inter e Fluminense travam uma verdadeira batalha em Porto Alegre. Se ganhar, o Colorado toma o lugar do Flu e pode embalar de vez na busca de acesso à Libertadores. Se der Fluzão, ele deixa para trás um adversário direto e entra no bolo dos que querem o título. E lá pras bandas de Curitiba, o Atlético local faz o clássico atleticano com o xará de Goiás, que pode colocar o Furação cada vez mais próximo do rebaixamento.




segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Perfis de jogadores de tênis - Félix Mantilla

O homem por detrás das raquetes


Félix Mantilla, ex-top 10 do mundo e especialista no saibro, vive a experiência de ser treinador da seleção australiana de tênis



Enquanto o público do primeiro dia do quali do BVA Open vibrava com a partida entre o alagoano Thiago Fernandes e o australiano James Duckworth, um espectador, de óculos escuros e camiseta amarela permanecia calmo, apenas vigiando das arquibancadas o que se passava no saibro. O espanhol Félix Mantilla, 37, que já chegou a ocupar o 10º lugar do ranking da ATP, atualmente divide seu tempo entre a Espanha, onde possui a Fundação Félix Mantilla para o combate ao câncer de pele, e a Austrália, onde desde 2008, ele treina a seleção de tênis do país.
Com o fim do contrato em dezembro, Félix e a Federação Australiana de Tênis já negociam sua permanência e ele garante que essa nova função é tão boa quanto estar nas quadras. “Basicamente, o tênis é a minha vida, e me encanta fazer parte da evolução desses tenistas jovens da Austrália”.
Para Mantilla, que se retirou das quadras em 2007, o caminho de transformação de jogador para técnico ou dirigente não é tão natural quanto parece. “Jogar é uma coisa, treinar e administrar é muito diferente. Não acredito em técnicos sem paciência e que não gostem de ensinar. Segundo ele, que teve um único treinador dos 16 aos 27 anos, a idade crítica para a formação de um tenista se dá dos 15 aos 20 anos.” Esse é o período de moldagem do atleta, do aprendizado do autocontrole e da apuração da técnica”.
E o espanhol, que nos tempos de jogador era considerado calmo e frio em quadra, faz questão de ressaltar que a calma é um das melhores conselheiras dos atletas. A tática tem funcionado com o pupilo James, que segundo Mantilla, não sabia controlar os hormônios de um menino de 19 anos e queria vencer a qualquer custo. “O James, depois de um tempo comigo, melhorou muito a questão da disciplina em quadra. Ele é um jogador bastante competitivo, com saque forte e agora, sabe melhor como controlar o jogo e usar a ansiedade do adversário se virar contra ele”.
O técnico Félix Mantilla é muito exigente com seus comandados e ressalta que exige que o jogador seja muito respeitoso, tanto com o técnico quanto seus adversários, para que assim, ele se torne um atleta profissional e vencedor.


Tempos de glórias e quedas

Félix Mantilla nasceu em Barcelona, em 23 de setembro de 1974. Joga tênis desde os 10 e na adolescência, já despontava como uma das promessas de seu país, que tem fama de revelar tenistas especialistas no saibro, como Rafael Nadal. Ao longo de sua vitoriosa carreira de 15 anos, ganhou 10 Masters, incluindo o de Palermo e Barcelona.
 Mas, com absoluta certeza, o momento mais brilhante de sua trajetória foi, segundo ele, a vitória sobre Roger Federer, na final do Masters 1000 de Roma, em 2003. “Bater o Federer é um título concedido a poucos e eu me orgulho de fazer parte dessa galeria”.
Dos momentos espinhos e frustrantes da carreira, Felix não guarda muitas lembranças. “Tive um câncer de pele que me tirou um tempo das quadras e não me sinto frustrado por nunca ter ganhado um Grande Slam. O momento mais triste da minha carreira foi a aposentadoria, aquele momento que você sai da quadra a última vez como atleta, olha para trás e tem a consciência que, mesmo treinando alguém ou praticando, nunca mais será a mesma coisa”






Perfis de jogadores de tênis - Jaroslav Pospsil


O calor é uma constante na vida dos rio-pretenses, mas na do tenista tcheco Jaroslav Pospsil, atual nº 207 do ranking da ATP, é um grande obstáculo durante sua participação no BVA Open, apesar de ele já ter disputado torneios na América do Sul. “ É a minha primeira vez no Brasil. Cheguei quinta à noite e na sexta fiz só um treino, pois fiquei mal com tanto calor” comentou o tenista da República Tcheca,que bem humorado, revelou que precisaria comprar urgentemente um protetor solar para não parecer um tomate no fim do torneio.
Jaroslav está acostumado a treinar em quadras fechadas por conta do frio intenso de seu país, e segundo ele, não existiria outro lugar no mundo em que ele pudesse praticar o tênis, que o acompanha desde os 6 anos de idade. “Apesar de a República Tcheca não ser uma das potências do tênis, não me vejo treinando em outro lugar do que minha terra natal”.  
Pospsil, que alcançou a melhor colocação de sua carreira, ao chegar ao 103º lugar, conta que esse resultado veio graças à campanha no ano passado, quando ele chegou às finais de alguns Challengers. “Esse ano não tem sido bom para mim, apesar da melhor colocação na ATP da minha história no tênis profissional, que começou aos 19 anos”.
Ao lado do argentino Diego Junqueira e do brasileiro Ricardo Mello, o theco é um dos tenistas com mais experiência do Challenger, com 30 anos. Apesar de muitos considerarem essa idade alta para um atleta, ele não se intimida e garante que está em forma e com muita disposição para continuar jogando por muito tempo. “Mesmo vindo de uma temporada não muito boa, acredito que a experiência pode ser minha aliada para que eu chegue longe no torneio”.
Sobre a qualidade dos adversários e favoritos ao título, Pospsil é categórico. “Eu conheço a maioria dos caras que vão jogar aqui e nos encontramos sempre em torneios ao redor do mundo. É como se fosse uma grande família de tenistas, e o nível é muito equilibrado. Tirando os top 10 do mundo, entre os 200 melhores é tudo muito nivelado e não dá para apontar favoritos”.



Perfis de jogadores de tênis - Pavol Cervenak

                                          
O tenista eslovaco Pavol Cervenak, número 222 do ranking da ATP, é um amante do tênis desde os 6 anos de idade, quando ainda morava na capital da Eslováquia, Bratislava. Por incentivo do pai, que administrava uma loja no Centro Nacional de Tênis do país, Pavol começou a praticar o esporte e não parou mais. Hoje, o tenista vive em Colônia, Alemanha, para dar mais saltos mais altos à carreira.
Isso é o que garante o seu técnico, Carsten Schauff, que o acompanha no BVA Challenger de Rio Preto. “O Pavol melhorou muito a sua técnica e habilidade de jogar com as duas mãos na Academia em que treina na Alemanha. Além do mais, ele conta com um profissional para acompanhá-lo nos torneios, o que é muito importante. O técnico acaba fazendo de tudo um pouco: dá dicas, suporte, ajuda na organização e nos treinos do atleta. É uma pena que muitos tenistas não possam contar com um”.
E o tenista assina em baixo as palavras do técnico. “Existem bons lugares e centros para a prática do tênis na Eslováquia, mas a estrutura que eu disponho na Alemanha é fantástica e me ajuda a ser um profissional mais qualificado”. Treinando na Academia de Tênis de Colônia, ele chegou à final do Challenger da Eslováquia e nas quartas de final do Torneio da ATP em Stuttgart.
Quanto ao Challenger e as altas temperaturas em Rio Preto, o eslovaco se diz tranquilo e espera fazer um bom torneio, e quem sabe, não só participar. “Estou acostumado a jogar em lugares mais quentes do que na Europa. Esse ano joguei em Buenos Aires e Montevidéu e é bom estar na América do Sul nessa época, porque agora começou a esfriar muito na Alemanha. Espero fazer um excelente Challenger e ficar entre os primeiros”.
Para Pavol, a vida de tenista, pulando de lugar em lugar a cada semana, requer muita paixão, caso contrário, não se vai longe no esporte. “Jogar tênis é como qualquer outro emprego. A diferença é que às vezes você não gosta do que faz, mas acaba aguentando. No tênis, se não existe paixão, você não consegue se doar ao máximo e viver intensamente esse esporte maravilhoso”.




domingo, 9 de outubro de 2011

O segredo dos seus olhos

     Um dia dentro da vida agitada e cheia de projetos de Alcides da Silva Filho, cego desde 1999


 

“Se eu fosse fazer isso na calçada, não daria, é muito trabalho”, ri Alcides, 44, enquanto caminha, às 5 da manhã, no meio das ruas desertas do bairro Santa Cruz, em Rio Preto. Por ser bastante agitado e gostar de movimento, escolheu a madrugada para suas andanças não só por que gosta de acordar cedo, mas por ser cego, vítima de diabetes, desde 1999. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) estima que existam de 1 a 1,2 milhões de brasileiros cegos e outros 2,5 milhões com perda gradativa da visão. E esse é o único em que Alcides pode se exercitar, junto com sua fiel escudeira, a bengala, sem que precise ficar atento aos montes de carros que passam pela região, todos os dias.
O músico e contabilista conhece muito bem as esquinas, os obstáculos e os lugares do trajeto que seus olhos, antes cor de mel, já não enxergam mais. Porém, seu senso de direção continua intacto, como revela a esposa Alessandra, junto com ele há 19 anos, e mãe de Mateus, 17, Jonas, 14 e Isabela, 4, os três filhos do casal. “Ele é o meu GPS, sabe os nomes de todas as ruas. Antes mesmo de ficar cego, o Alcides já andava de madrugada com o cachorro, sempre foi meio guarda noturno”.
Na quase uma hora de caminhada noturna, ele passa na casa da mãe, Dona Jaci, 82, a duas ruas de sua casa, e pergunta se ela vai querer pão. Depois, a boa e velha padaria da esquina o aguarda, com seis pães para o café da manhã e a encomenda da mãe. Ao longo do trajeto, sempre bem humorado, Alcides conta que muito poucas vezes foi perturbado por quem passava. “Acho que a minha condição dá uma intimidada. Teve uma vez que só que um rapaz me parou e disse: “ei ceguinho, vem aqui, vamos foder!”, e começou a me agarrar. Dei umas bengaladas e tapas nele e ele disse que gostava de violência.  Liguei para a polícia e me perguntaram como era o rapaz. “Eu não sei. Eu sou cego, pô!”.
6 hrs.  A pleno vapor, Alcides acorda os dois filhos para ir à escola. Isabela, que gosta de assistir desenhos animados até tarde, dorme em um colchão na sala. Alessandra também dorme. Na cozinha, o pai coruja prepara vitamina de banana, Toddy e leite. Enquanto os meninos comem, o músico vai para o escritório, equipado com piano e teclado, além de CDS e um computador com sistema DOSVOZ, que ele usa desde 2001. “Até os meninos irem para a escola, eu me exercito tocando e cantando.” A música que resume sua vida é “Tocando em Frente”, de Almir Sater e Renato Teixeira. “Ando devagar, porque já tive pressa, levo esse sorriso, porque já chorei demais”...


“A palavra superação é um símbolo para mim. Eu tenho vivido muito na base dela”


O pior de ser cego, no começo, é admitir que você não enxerga mais. Quando comecei a perder a visão, em 1997, andava com uma bengala comum e se alguém me perguntava se eu tinha algum problema, dizia que estava com dor na perna”. Mas a deficiência visual não trouxe só desencantos a Alcides. “A deficiência me deu a oportunidade de ter mais contato com meus filhos. Como eu parei de trabalhar na firma e a ficar mais em casa, nosso vínculo se tornou muito forte. Sempre fiz questão de acompanhá-los à escola, de mãos dadas. São eles que preparam minha insulina. E essa ligação nós temos até hoje. Nesse mundo agitado, quantos pais podem fazer isso?” questiona, explicando que ele teve que reavaliar seus limites e ampliar seus horizontes.
7 hrs. Mateus e Jonas seguem para a aula e Alcides vai fazer suas atividades. “Geralmente, eu passo a manhã no telefone, fazendo uma politicagem, dando uma palpitada nos assuntos da firma, gerenciada por um amigo e meu irmão, que também esta perdendo a visão, mas não aceita. Depois do café, lá pelas 7hrs30, eu ouço alguns jornais, uso o computador e faço um som. Daí, eu vou tomar banho e me arrumar”. No guarda-roupa dele, geralmente é tudo organizado para que ele saiba onde estão as roupas. Quando se perde ou quer saber a cor de alguma delas, pede ajuda. O banho e a barba ficam por conta própria, já que gosta de se virar sozinho. E Alessandra confirma. “Eu sempre quis fazer a barba do Alcides, mas ele brinca, dizendo que eu posso estar de TPM e cortar a garganta dele”.
8hrs. O compromisso era levar Charlie, um Setter Irlandês, ao veterinário para um banho e para cuidar de um problema em uma das patas dianteiras. Além de Charlie, a família tem dois outros cachorros pequenos, que acompanham Alcides em suas andanças. Segundo ele, não existem cães-guia em Rio Preto.  O preço do adestramento e o tempo, de cerca de 2 anos, são alguns dos fatores que ele aponta para as dificuldades em se ter um cão-guia. No Brasil, existem apenas 3 centros  especializados (São Paulo, Rio e Brasília) e 70 cegos que usufruem do auxílio canino. Há uma fila de espera de cerca de 2.000 deficientes visuais a espera de um.


“É bom que a família não te proteja muito, senão você não cresce”


Mesmo com todas as atividades familiares, Alcides arruma tempo para presidir a Associação dos Deficientes Visuais de Rio Preto (Adevir), desde 2005, e é muito crítico a respeito das políticas de acessibilidade.  Para ele, o benefício do LOAS (R$ 545) concedido aos deficientes, se torna uma faca de gumes, já que o deficiente acaba se acomodando e muitas vezes, a própria família, temerosa de seu contato com o mundo externo, acaba incentivando que ele fique em casa.  “A maioria dos cegos precisa usar o ônibus para se locomover. Muitas vezes, ele prefere ficar em casa e receber o LOAS do que ter que trabalhar o dia inteiro, pegar condução, ouvir piadinhas. E a própria família teme que ele trabalhe, pois assim perderia esse benefício. Mas eu conheço muitos cegos que recebem o LOAS e complementam a renda no mercado informal”.
E na casa de Dona Jaci, às 10 da manhã, ele continua falando de políticas públicas e mercado de trabalho para cegos. Na visão de Alcides, falta interesse das entidades para se inserir o cego no mercado, mesmo havendo campo e gente interessada em empregá-los. “A APAE coloca um monte de gente no mercado de trabalho. Por que não se pode colocar os cegos também?”, explicando que existem instituições na cidade que recebem para manter os deficientes visuais lá dentro e os desencorajam a buscar trabalho.
Para a mãe do Neno, seu apelido de infância, o gênio pró-ativo do filho o ajudou muito a superar e a aceitar a deficiência. “O Neno teve uma aceitação maravilhosa, que eu não tive”, e se emociona, antes de descrever que o filho era um menino muito comunicativo e hiperativo. “De manhã, ele fazia o colegial. À tarde, piano e à noite, o curso de Contabilidade”. E Dona Jaci cita Alcides como um bom exemplo de deficiente. “Eu vejo muita gente que se entrega, se desanima. O Alcides sempre manteve a cabeça erguida, a alegria de viver. Mesmo ele sendo muito independente, eu me preocupo com ele andando sozinho nessas ruas cheias de carros e buracos. Mãe é mãe”.

Do tempo de jovem, Alcides, que enxergou até os 32 anos, se lembra que já teve cabelo comprido, hoje resumido a alguns tufos, rabo de cavalo, uma moto, das viagens pela América do Sul, e de uma de suas bandas, a Sex Shop, famosa na cidade nos anos 1990. Atualmente, ele costuma sair, às vezes, para dançar com a esposa em alguma boate.


“Já viu cego comprando em shopping? Shopping é completamente visual”

12hrs30. Os meninos voltam da escola e a cozinha se agita. Alessandra, chamada de Lê, parou de trabalhar como professora e assumiu os trabalhos de casa e motorista da família. É ela quem pilota o fogão e prepara salada, arroz, feijão e frango. Um dos filhos serve Alcides, que come sozinho e filosofa que a visão, por ser o principal sentido, acaba ofuscando os demais. “Quando se é cego, se perde essa percepção do consumo. Nós vivemos no mundo da imagem. Eu consumo muito sensorialmente, como uma boa comida, uma boa música. Mas quando vou comprar uma roupa ou um sapato, o vendedor, muito por falta de informação, explica o produto, em voz alta, para a minha mulher. Eu só não vejo a imagem, não sou surdo e ainda sei quando um sapato ou uma roupa é confortável”.
A parte da tarde é reservada para um cochilo e depois resolver assuntos de banco, já que ele ainda cuida de suas finanças e da mãe, auxiliado por programas de computador para cegos. Mas na segunda-feira, Alcides está sem saco para ir ao banco, e lembra que algumas vezes, quando para na porta do banco para conversar com alguns amigos, alguém já passou ao seu lado e colocou dinheiro na sua mão, dizendo “Deus te abençoe”. “Ainda existe muita falta de informação quanto ao deficiente. O deficiente se faz muito de vítima e isso me irrita muito”.
E se pergunto se ele, por ter uma vida privilegiada e confortável, pode ter essa consciência e engajamento social, Alcides nem pisca para responder. “Não é a grana o que mais importa, é a atitude. Existe agora a Lei da Acessibilidade do município e nós, os deficientes, temos que lutar para que ela seja cumprida. Mas eu me sinto muito sozinho nessa luta. Existe muita acomodação. Aqui no SENAC, do lado de casa, tem uma sala, toda equipada com computadores adaptados para cegos, livros em Braile, e quase ninguém a usa, se interessa”.

“O orelhão é o inimigo número 1 dos cegos”


“Pior do que cair na rua ou ser travado por uma árvore ou um galho dela, é trombar com um orelhão. É uma dor de lascar”, se diverte Alcides, ao dizer que as calçadas das ruas de Rio Preto são até decentes para um cego, mas o complicado é detectar os orelhões, principalmente a estrutura que cobre o telefone. Para isso, sugere que se coloque um piso emborrachado, o que, segundo ele, não é caro e evitaria muitos acidentes. As segundas e quartas, das 16hrs20 às 17hrs20, Mateus, Jonas e o pai frequentam um curso de inglês no centro da cidade, desde o começo do ano. Apesar de não existirem livros em inglês traduzidos para o Braile, Alcides não perdeu o interesse e, segundo sua professora Juliana, o fato de o aluno já ter enxergado e por o curso se basear muito em conversação, isso facilita na hora de montar imagens e situações com palavras.
Depois da aula, os três voltam a pé para casa e fazem um programa sagrado, de cumplicidade: parar em alguma lanchonete do caminho, tomar um suco e comer um lanche. Alcides, que gosta de falar bastante, explica que não tem hora para dormir, já que ainda não se acostumou com o relógio biológico de um cego, e as horas de sono são bem inconstantes. Às 18hrs, e de volta a casa, ele brinca um pouco com Isabela, que gosta de espalhar os brinquedos na varanda e a transforma num “campo minado” para o pai.
 Naquela noite, Alcides e Alessandra iriam ao shopping pagar umas contas. Geralmente, ele fica em casa, com sua música e sua amada família. Antes de nos despedirmos, às 19hrs, o homem que usa a palavra superação como símbolo, e sempre cheio de histórias, conta que um dia, nesse caminho de volta do inglês, enquanto lanchava com os filhos, uma senhora se aproximou e lhe entregou um bilhete, lido por Mateus: “ainda existem herois nesse mundo”. 

Mãos que leem- Sistemas de leitura para cegos 

Braile: O primeiro sistema de leitura para cegos foi desenvolvido por Louis Braile (1809-1852), cego por um acidente na oficina do pai, aos três anos de idade. Em 1827, Braile lançou o método, que é feito com as pontas dos dedos, com uma ou as duas mãos, da esquerda para a direita. A partir de seis pontos circulares, pode-se formar 63 combinações diferentes de letras, acentos e números. O Brasil foi um dos primeiros países a adotar o sistema, durante o Reinado de Dom Pedro II (1845-1889). Estima-se que 400 mil cegos no Brasil conseguem ler em Braile. Um leitor experiente chega a ler 200 palavras por minuto.
Jaws: Lançado em 1989 por Ted Henter, um ex-corredor de motos que perdeu a visão num acidente de automóvel em 1978, em São Petersburgo, Flórida, EUA. Seu objectivo principal é tornar os computadores pessoais acessíveis com o Microsoft Windows para deficientes visuais. A interface é realizada por meio do fornecimento de informações presentes na tela por meio da conversão de texto para voz ou  Braille e permite uma interacção maior do teclado com o computador.
DOSVOZ: Sistema para microcomputadores da linha PC (Windows 95 ou superior), criado em 1993 por Marcelo Pimentel, um universitário cego, e por professores da UFRJ. O DOSVOX se comunica com o usuário por meio de síntese de voz em Português e outros idiomas. Ao invés de simplesmente ler o que está escrito na tela, o DOSVOX estabelece um diálogo amigável, por meio de programas específicos e interfaces adaptativas. Grande parte das mensagens sonoras emitidas pelo DOSVOX é feita em voz humana gravada. Isso significa que ele é um sistema com baixo índice de estresse para os usuários, estimados em 800 deficientes visuais.



sexta-feira, 7 de outubro de 2011

A mão da resistência

No ano em que completa cinco anos, Lei Maria da Penha consegue muitos avanços nas políticas públicas para mulheres, mas ainda é cercada de dúvidas, preconceito e falta de informação
Foto: Divulgação União Brasil



“Nunca pensei que a minha luta pessoal fosse atingir a dimensão que ela atingiu. Eu lutei, por quase 20 anos, por justiça. Eu queria que quem me deixou paraplégica pagasse pelo crime. Graças a Deus, a dimensão foi muito maior do que a punição. Hoje, todas as mulheres são beneficiadas por essa lei, as com deficiência também. Eu acho que, realmente, é melhor deixar de se lamentar, é melhor você não se deixar recolher na tristeza e tentar mudar aquela situação que está incomodando. Quando a mulher sente que a política pública favorece que ela denuncie, ela tem medo, mas enfrenta. Agora, o difícil é não ter a política pública. E se não fizermos nada agora, nossas descendentes vão sofrer violência doméstica como nós e nossas antepassadas sofreram. A principal finalidade da lei não é prender homens, e sim, punir o homem agressor, que não sabe tratar sua mulher com dignidade”.
Ouvir essas palavras pessoalmente da boca de Maria da Penha Maia Fernandes, 66, não é tarefa fácil. Maria da Penha, apesar de muito simpática e comunicativa, é pouco dada à imprensa, muito por conta do “bombardeio midiático sensacionalista” em torno do seu nome. Antes de começarmos a entrevista, em uma sala da Associação dos Deficientes Motores do Ceará (ADM), às 14hrs, em Fortaleza, Maria, com um sorriso e apontando o dedo indicador, quer a certeza de que mandarei a entrevista antes da divulgação: “ta compromissada a história, responda aí?”, pergunta, com um leve sotaque cearense.  
O assunto principal da conversa, no entanto, pouco tinha a ver com um dos nomes mais fortes das políticas de defesa da mulher. Maria da Penha, cadeirante desde 1983, ano da tentativa de homicídio por seu ex-companheiro, Marco Antônio Heredia Viveros, também é muito engajada na defesa de políticas de acessibilidade para os deficientes físicos. A sensação de estar frente a frente com ela, no começo, é estranho. Parece mais que estou em frente a uma entidade, um ícone. Mas Penha, como é conhecida por muitos, é de carne e osso e carrega na pele e na alma um assunto quase inevitável de não se tocar, ainda mais por ela dar nome à Lei 11.340, que pune a violência doméstica contra a mulher e que esse ano completa 5 anos de criação. 
A biofarmacêutica, que gosta de Roberto Carlos, acha que é preciso saber viver. O fato de estar em uma cadeira de rodas, segundo ela, não a limita. Maria vive em uma casa adaptada, junto com a mãe, Dona Lery, 94, e só precisa de ajuda para se levantar e se deitar na cama. Desde 2009, está à frente do Instituto Maria da Penha e gostaria muito de ter um carro adaptado, para que pudesse colocar em prática o Instituto itinerante, e a cada 15 dias, visitar um bairro de Fortaleza.
Apesar dos muitos avanços que a lei trouxe para a defesa das mulheres, Maria da Penha, uma senhora muito elegante e doce, não se ilude e sabe que isso é apenas um começo. “A gente tem uma lei aqui no Ceará que diz que toda cidade com mais de 60 mil habitantes deveria ter uma Delegacia da Mulher e isso não acontece. Para você ter uma ideia, no estado todo, existe 184 municípios e 8 Delegacias da Mulher. Em Fortaleza, com 2,5 milhões de habitantes, apenas 1”.
Depois de 1 hora de conversa, acompanho Maria da Penha ao carro adaptado de Seu Mauro, pai de Maurinho, que tem uma paralisia espinhal, e que tornou o encontro com ela possível. Mais à vontade, acabo perguntando a ela como é o relacionamento com o ex-marido, principalmente após uma entrevista concedida por ela à revista Istó É, no final de 2010, e pelo livro “A Verdade não contada no caso Maria da Penha”, no qual ele a acusa de tê-lo “transformado em um monstro” e por “o Brasil achar que a Maria da Penha é uma coitadinha porque está numa cadeira de rodas”. Muito serena, Penha apenas responde que nem ela, nem as filhas têm mais contato com ele há muito tempo. “O que eu sei, assim como todo mundo, é que ele vive em Natal”.
Quanto aos homens mal informados, que fazem piada com a lei e alegam que deveria existir a lei João da Penha, para punir as mulheres que agridem os maridos, Maria, sempre categórica, conduz sua cadeira de rodas antes de voltar para casa: “Eles não têm ideia de quantas mulheres sofreram para que essa lei existisse. Eu vou continuando a minha luta em relação à violência doméstica familiar, do jeito que eu fazia antes de a lei existir, só que agora com mais intensidade e recursos”.

Um breve relato da história de Maria da Penha
1945- Nascimento de Maria da Penha, primogênita de uma família de 5 irmãs, em Fortaleza, no Ceará.
1973- Formada biofarmacêutica, se muda para São Paulo para fazer mestrado e conhece o estudante de Economia colombiano Marco Antonio Heredia. Se casam e mudam para Fortaleza, onde, após conseguir sua naturalização, Heredia começa a agir de maneira agressiva com a mulher e as filhas. Maria teme ser morta, mas pede o divórcio, só que o marido não aceita.
1983- Em 29 de maio, Maria da Penha recebe um tiro na coluna do ex-marido enquanto dormia. Além de Marco Antonio, moravam na casa as três filhas do casal e duas empregadas. Após quatro meses de internação, Maria volta, paraplégica, para casa. Ela acusa o marido de mantê-la em cárcere privado e tentar eletrocutá-la durante um banho.
1984- Primeiro depoimento de Maria da Penha. Marco é detido, não confessa o crime e é liberado, mas o Ministério Público o acusa formalmente de tentativa de homicídio. Buscando anonimato e fugir da hostilidade em Fortaleza, Heredia se muda para Natal, no Rio Grande do Norte.
1991- O ex-marido é condenado a 15 anos de prisão, mas o julgamento é anulado por falhas na elaboração das perguntas feitas aos jurados.
1994- Lançamento do livro “Sobrevivi...Posso Contar”, de Maria da Penha.
1996- Segunda condenação de Marco Antonio (10 anos e meio). Ele ganha direito a responder o processo em liberdade e a pena cai para 8 anos e meio.
1998/2001- Maria da Penha e órgãos que defendem a mulher fazem uma denúncia à Organização dos Estados Americanos. A OEA acusa o Brasil de conivência com a violência doméstica e alerta o país por não ter políticas públicas contra a violência da mulher.
2002- Dezenove anos e cinco meses depois do crime, o processo, quase expirado, é reaberto e Marco Antonio é condenado a 16 meses em regime fechado. A partir de março de 2004, cumpre o regime semi-aberto até fevereiro de 2007, quando consegue a liberdade condicional.
2006- Em 6 de agosto, o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva sanciona a Lei 11.340, batizada de Maria da Penha.
2010- Marco Antonio lança “A Verdade não Contada no Caso Maria da Penha” e “Extermínio de Homens”, alegando ser inocente e vítima de um erro do Judiciário.
2011- Aniversário de 5 anos da lei. Maria da Penha continua vivendo em Fortaleza, e Marco Antonio, em liberdade condicional, continua vivendo em uma quitinete na periferia de Natal. Sua pena acaba em fevereiro de 2012.

O caminho do agressor
A violência doméstica familiar em Rio Preto, vista sob a ótica de profissionais que trabalham na área ena visão do agressor e da agredida



“A mulher saiu da costela do homem. Não dos pés, para ser pisada. Nem da cabeça, para ser inferior. Saiu do lado para ser igual. Debaixo do braço, para ser protagonista. E ao lado do coração, para ser amada”. Na recepção da única Delegacia da Mulher em São José do Rio Preto, aberta em 1986, um quadro bordado em azul e vermelho, com a frase acima, recebe as mulheres que vão prestar queixa contra seus companheiros ou companheiras, já que a lei também é aplicada a relações homoafetivas.
Subindo as escadas, se encontra a sala da delegada titular Dálice Ceron, desde 1997 no cargo, e o primeiro passo para quem resolve não se calar diante da violência doméstica. Segundo Dálice, a maioria dos casos parte da violência do marido, mas podem partir dos filhos, sogra e outros parentes, desde que a violência (física, psicológica, verbal, racial) seja em âmbito doméstico. “Nós só não cuidamos de crimes patrimoniais” esclarece, enquanto faz um balanço dos 5 anos da lei: “A lei Maria da Penha foi uma resposta que as mulheres desejavam. Só que a maior deficiência dela reside na própria mulher, que na maioria das vezes, está presa ao companheiro pela dependência financeira e os filhos”
Para ela, a violência é democrática e não distingue classe, credo ou cor, apesar de os maiores registros ser feitos nas classes média e baixa. “Nas classes altas, a mulher muitas vezes a infidelidade e a violência do marido para manter as aparências. Nas classes baixas, além disso, a mulher tem que suportar a falta de comida, de estrutura e o álcool. É muito difícil denunciar o agressor. Ele é o príncipe encantado que ela sonhou. Só que mulher pobre é mais decidida, enquanto a rica teme perder os privilégios e a sociedade”.
Durante a entrevista, a assistente social Tânia, entra na sala para tirar dúvidas sobre um caso. “Tem uma mulher aí dizendo que o filho ta metido com pedra e ta roubando tudo da casa, até os fios. Ela quer usar a lei Maria da Penha porque tem medo que ele leve gente perigosa pra dentro de casa”. A delegada apenas diz que aquela situação não cabe boletim de ocorrência e pedir medidas sócio-protetivas, como o afastamento do acusado da residência. “Acho que essa senhora não quer ver o filho morando na rua. Ela tem medo é de quem ele pode trazer para dentro de casa”, pondera a delegada. No fim, a maneira encontrada para a denúncia é alegar o “terror” que a mãe sente diante da dependência química do filho.
Tânia Garcia, muito simpática, diz que quando a mulher vai à delegacia, ela está decidida a denunciar seu agressor. O espaço ali, segundo ela, é importante para se buscar informações e se fortalecer junto a um serviço. “Aqui ela vai ser ouvida e ter uma voz. A mulher, hoje, tem mais autonomia, está inserida no mercado de trabalho e diminuiu esse estereótipo da mulher coitadinha.
 Dálice concorda, e acrescenta que os jovens têm um papel muito importante na diminuição das desigualdades. “Esse é um processo muito longo, mas os jovens têm aprendido a dividir as responsabilidades e tarefas com suas companheiras. Eles podem mudar um quadro social muito arraigado, o do marido provedor, que sustenta a casa, e o da mulher cuidadora, que zela pela casa e pelos filhos”.
“Rio Preto sempre foi pioneira nas políticas da mulher” afirma Regina Chueire
“Não é que aumentaram os números da violência doméstica. O número de denúncias é que cresceu”, explica a ex-secretária da mulher Regina Chueire. Desde a criação do serviço de denúncia 180, em 2006, mais de 2 milhões de denúncias foram registrados. Segundo Chueire, as políticas públicas da mulher foram um dos primeiros pontos abordados durante o governo Lula (2002-2010). “O Lula vivenciou, dentro de casa, a violência contra a mulher, no papel de sua mãe, Dona Lindu”.
Para a secretária, a mulher não quer ver seu marido preso, e sim, tratado. Por isso, é importante olhar também o lado do agressor, entender que ele também é vítima de violência, das mais diferentes maneiras, e precisa de auxílio. “A chave para se equilibrar o feminismo, já que a mulher atual demonstra seus gostos, tem grana e tem a vida sexual ativa e seus desejos, com o machismo, arraigado na sociedade, é o respeito, impor limites para que exista harmonia”.
Segundo Chueire, a violência doméstica independe de gênero. “Quando o transexual ou um homossexual, é agredido, e ele se sente um mulher, pode-se recorrer à lei Maria da Penha”. Mas alerta: “o que não podemos fazer é banalizar a lei. Não é porque uma mulher é palmeirense, e a outra, corintiana, e as duas se agridem, que a lei tem validade”. Apesar de o Superior Tribunal de Justiça ter decidido que o Boletim de Ocorrência é suficiente para se abrir um processo de violência doméstica, Regina alega que o processo é bem mais complexo. “Muitas acham que é só ir à Delegacia da Mulher e fazer o B.O. Os meandros da lei são muito mais complexos”.
Na Secretaria da Mulher, existem processos em andamento para ampliar a independência da mulher, como revela a secretária, no cargo desde 2009. “ Aqui, nos temos o projeto “Apoio, você não está sozinha!”, que presta esclarecimentos a respeito da lei Maria da Penha e de como ela pode ser acionada, e o “Mulheres da Paz”, voltado à prevenção de futuros casos de violência contra a mulher. A Secretaria está tentando também um programa de Centros da Mulher em grandes loteamentos populares, com lavanderia comunitária, serviços de passar roupas e cozinha industrial, no intuito de aumentar a auto-estima e para que a mulher carente possa ter mais convívio com a família, já que muitas vezes, trabalha fora e faz o trabalho doméstico”.
Regina também destaca que a Secretaria dispõe de oficinas e palestras voltadas ao tema da violência doméstica, que podem ser solicitados por Unidades Básicas de Saúde, escolas e empresas, de maneira gratuita.
“Não adianta só acolher e tratar a vítima. Tem que cuidar e orientar o agressor também” alerta Aristides dos Santos 

“No começo, a aceitação do agressor por seus atos é difícil. Geralmente, a mulher é a culpada por eles estarem aqui”, explica, com semblante e voz calma, o coordenador do Centro de Referência e Assistência à Família (CRAF), Aristides dos Santos, que coordena um dos dois centros existentes no país. O outro CRAF funciona em Fortaleza. O Centro de Referência rio-pretense está em funcionamento desde outubro de 2010, graças a uma parceria com a Secretaria da Mulher, a Caritas e a Paróquia Menino Jesus de Praga, que enfeita uma das paredes da recepção.
Quando o processo por violência doméstica é aberto, o juiz avalia a gravidade de cada caso, e para os mais leves, sugere ao réu a suspensão do processo por 2 anos, para que ele passe por um tratamento. Se aceitar, o agressor, que no CRAF é tratado como “assistido”, inicia um tratamento em grupo, que dura pelo menos 8 meses, em sessões semanais de 2 horas. Atualmente, 69 homens e 1 mulher, que tem tratamento individual, são assistidos no centro. E o acompanhamento tem que ser seguido à risca, como destaca o coordenador. “Se o agressor não comparece à sessão e não justifica a ausência, o juiz pode revogar a suspensão”.
Dentro do CRAF, 2 psicólogos e 2 assistentes sociais prestam assistência aos agressores, que vão desde muito jovens a idosos. Segundo a assistente social Cléa da Cruz, e os psicólogos Anne Cardoso e Weslley Rodrigues, o objetivo do trabalho é o grupo. Durante as 24 sessões do tratamento, temas como o relacionamento e a lei Maria da Penha são abordados. No dia da minha visita ao centro, o tema era “a violência que eu pratico e a violência que praticam contra mim”, na qual os “assistidos” escrevem os diferentes tipos de violência que praticaram e foram praticadas contra eles, e penduram os papéis no “varal da violência”.
Para Cléa, geralmente o 1º mês é o da revolta por estar nesta situação, o 2º é mais tranquilo e, a partir do 3º mês, o “assistido” começa a entender o tratamento e a se apegar aos profissionais. “Muitos não querem mais sair daqui”, garante Cléa, que revela que muitos homens, ao iniciarem o tratamento, acham que vão tomar remédios, assistir uma palestra, pegar um papel, assinar e ir embora.
E Aristides faz um balanço muito positivo do primeiro ano de atividades. “É muito gratificante ver que mudanças estão acontecendo. Muitos “assistidos” que passaram por aqui mantêm contato e se dizem transformados pela situação”. Segundo ele, o centro trabalha os futuros relacionamentos dos que estão em tratamento. “A gente fala sobre família, perdão, preconceito e dos vícios. 80% dos “assistidos” aqui estão separados. A gente os prepara para um novo relacionamento, para que eles se desapeguem do sentimento de posse da mulher, do ciúme de ela ter um novo parceiro. Alguns deles, após o tratamento, acabam se reintegrando às suas famílias”.